sábado, 30 de outubro de 2010

Machado de Assis e as eleições. Entre o pão-de-ló e a pizza.


A julgar pelas pesquisas, as eleições estão decididas. Os números martelados em jornais e televisões durante as últimas semanas afirmam uma vantagem suficiente para a candidata do Lulismo (não me refiro ao PT, partido que já não existe; existe o Lulismo) se eleger. Ocorre que no Brasil não apenas os políticos estão desmoralizados, mas também os institutos de pesquisa – eles erraram em quase tudo no primeiro turno, como sabemos. Isso nos leva a pensar que as pesquisas são formas de desviar a atenção daquilo que se deveria discutir durante as campanhas. Gastamos mais tempo expondo e discutindo pesquisas do que discutindo questões políticas urgentes.
É por essas e outras que eu, cansado de guerra, andei calado por uns dias e voltei a ler e reler Machado de Assis, sobretudo as crônicas a respeito do Velho Senado de 1860, ainda no Império. Lá se vão 150 anos.
Diz o Machadinho, então nos seus vinte e um anos:
“O que há de política? É a pergunta que naturalmente ocorre a todos, e a que me fará o meu leitor, se não é ministro. O silêncio é a resposta. Não há nada, absolutamente nada. A tela da atualidade política é uma paisagem uniforme: nada a perturba, nada a modifica. Dissera-se um país onde o povo só sabe que existe politicamente quando ouve o fisco bater-lhe à porta.”
Eis então o diagnóstico de Machadinho: o marasmo político, o tédio dos eleitores, a falta de algo relevante em discussão, a ausência de partidos com ideologia própria – todos cada vez mais personalistas – e a única unanimidade: pagamos impostos demais.
Adiante, como se não bastasse, o profeta Machadinho antecipa a vida política brasileira que vivemos. Diz ele, depois de denunciar o ministério medíocre e a mediocridade dos políticos: “nos fornos do Estado se coze e tosta o apetitoso pão-de-ló, que é depois repartido por eles, para glória de Deus e da pátria”.
Eis aí. Machadinho não apenas revolucionaria o romance brasileiro, como, antes disso, previu a grande pizza em que tudo termina no Brasil.
Um gênio. Ai de nós.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

As certezas que só a burrice proporciona


Já falei aqui a respeito do livro Não contem com o fim do livro, com diálogos entre Umberto Eco e Jean-Claude Carrière. Pois destaco hoje um dos inúmeros temas que eles abordam com inteligência e descontração, como é possível nos melhores papos entre amigos. Inteligentes, é claro.
Dizem eles – no hilariante capítulo “Elogio da burrice” – que é preciso classificar, antes de mais nada, o imbecil: “É aquele que vai dizer o que não deveria dizer num dado momento. É autor de gafes involutárias.” Já o estúpido sofre de outro mal. Seu defeito é lógico, tirando conclusões estapafúrdias de premissas equivocadas. Ele, no entanto, não se contenta em enganar. “Ele afirma alto e bom som o que julga verdade. A estupidez é tonitruante.”
E a burrice? Alma gêmea das duas anteriores, a burrice, como dizia Flaubert, tem sede em concluir. Quer fechar a questão. Tem um furor maníaco pela certeza.
Além das gafes, das conclusões sem lógica, encontramos desta forma os tipos que são tomados pela fúria sagrada em concluir e nos impor suas verdades. É aí que mora o perigo. Ou, como diz Jean-Claude Carrière: são “verdades que nos dão calafrio na espinha”.
Proponho então que se faça uma espécie de jogo dos sete erros. Peguem o retratinho de figuras nacionais e internacionais e descubram onde elas se encaixam. Garanto que é divertidíssimo.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Livro e o Livro Digital


Ainda não terminei a leitura do livro Não contem com o fim do livro (Record, 272 páginas, 2010), mas já recomendo. Nele estão registrados diálogos entre Umberto Eco e Jean-Claude Carrière com a mediação do jornalista e escritor Jean-Philippe de Tonnac. É uma leitura essencial para quem quer repensar o chamado livro tradicional em confronto com esse novo livro que está chegando, o digital. Ao contrário das discussões marcadas por preconceitos ou puro desconhecimento, Eco e Carrière, além de esbanjarem erudição a respeito da história do livro e das transformações técnicas e culturais que o século XXI deverá sofrer, iluminam a questão de inúmeros ângulos, arejam as abordagens, ampliam horizontes. Um desses livros que faz com que o leitor se sinta mais inteligente e o mundo lhe pareça um lugar habitável. Não é pouco. Recomendo e voltarei ao tema quando terminar a leitura.

domingo, 10 de outubro de 2010

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

À imagem e semelhança de Pablo Picasso

Diz-se que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Mas também se diz o contrário: os deuses são feitos à imagem e semelhança do homem, o que explica que, sendo muitos os homens, existam tantos deuses.

Agora, se o homem em questão é Pablo Picasso, o Deus criado será generoso e agirá por puro prazer. Vejam só o que ele disse:

“Deus é, sobretudo, um artista. Ele inventou a girafa, o elefante, a formiga. Na verdade, Ele nunca procurou seguir um estilo – simplesmente foi fazendo tudo aquilo que tinha vontade de fazer.”


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Tiririca será um Cacareco?

As eleições fizeram com que Cacareco – que ficou famoso com esse nome embora fosse uma rinoceronte fêmea – voltasse aos jornais. Ele foi eleito em 1959 com 100 mil votos. Registre-se que Cacareco(a) não chegou aos dez anos e não deixou descendentes. Portanto, Tiririca não é da família.

Cacareco foi resultado claro de um movimento de protesto dos eleitores contra os desmandos e a corrupção na política. Tenho dúvidas de que a maioria dos votos em Tiririca tenha sido de protesto. Há quem tenha votado nele com convicção, tanto que ele fez campanha para valer – ao contrário do Cacareco – ainda que usando do deboche. Seja como for, parte significativa dos que votaram nele o fizeram em função da mediocridade cultural e política do Brasil atual. Não fosse o voto obrigatório, esses tipos iriam pescar e não criariam essa palhaçada.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O voto não é obrigação, é direito

O Brasil é um país de ponta-cabeça, dizia o sábio Tom Jobim.
A razão dessa anomalia é que se trata de um país incapaz de reflexão e, portanto, de princípios. Por exemplo: só no Brasil um presidente poderia se comportar como cabo eleitoral alegando que faz isso “fora do expediente”. É um caso único: um presidente que cumpre “expediente”. Lula continua pensando como um torneiro mecânico. Não entendeu até hoje o que significa ser presidente. Aliás, não é o único.
Vejam o caso do voto obrigatório, que mostra que o Brasil ainda não chegou à Revolução Francesa. Trata-se de um absurdo, já que o voto é um direito e ninguém pode ser obrigado a realizar um direito – isso faria dele um dever. Por exemplo: temos direito a ir e vir, à felicidade, à propriedade, mas ninguém pode ser obrigado a ir e vir, a ser feliz ou a ter propriedades.
Como o país não pensa, nesse domingo todos irão depositar compulsoriamente um voto na urna. Muitos sem saber o que estarão fazendo. Outros venderão o voto em troca de dentaduras, dinheiro, favores, ou como parte de um curral eleitoral qualquer. Ou votarão levando em conta dois ou três pequenos preconceitos que conseguiram produzir ao longo da vida. O que ocorre em todas as classes sociais, diga-se.
Houvesse reflexão e o voto fosse visto como um direito, a noção de cidadania poderia se tornar um valor social. É isso que significa ser cidadão, sentir-se sujeito de direitos. Saber-se livre de coações. Os que fossem votar saberiam o que estariam fazendo. E quem não quisesse votar faria melhor ficando em casa ou indo pescar. Com todo o direito.