terça-feira, 29 de março de 2011

Japão em chamas




Dia desses citei aqui uma frase de Rubem Braga segundo a qual “as desgraças nos ensinam geografia”. Agora, com o terremoto e o tsunami que destroçaram o nordeste do Japão, retorno a ela. Ficamos sabendo da existência de Sendai, Fukushima – e não se trata de uma existência abstrata ou escolar, mas concreta: gente, casas, ruas, lojas, carros, tudo triturado. Conquistamos uma ideia mais precisa do nordeste do Japão.
Passei horas diante da televisão, imóvel e mudo ao longo de vários telejornais, indo de um canal a outro, sem saber se conseguiria sentir um abalo emocional à altura da calamidade que tinha diante dos meus olhos.
Não aprendemos apenas geografia. Aprendemos como são frágeis as realizações humanas diante das chamadas forças da natureza. E, de arrasto, junto com essas águas furiosas, aprendemos algumas noções do que sejam usinas nucleares, energia atômica – e descobrimos como elas também escapam de nossa compreensão.
Lembrei-me do primeiro ano do curso de Filosofia. O professor de Metafísica, padre João Zelesny, um tipo avantajado e dogmático, enfiado numa austera e puída batina negra, convidou um padrezinho miúdo, chamado irmão Firmino, formado em Física e Química, para nos dar algumas aulas a respeito da teoria da relatividade e das modernas teorias atômicas.
Foi um sucesso, o padrezinho. Era competente e muito enfático. Desmontou Einstein até que coubesse em nossos cérebros destreinados em lidar com coisas físicas, e não metafísicas, e fez esquemas no quadro-negro explicando o que era uma reação atômica e o que significava, afinal, isso de quebrar um átomo, retirando dele energia.
Esqueci detalhes e não posso jurar pela exatidão de minhas lembranças. Mas lembro de uma coisa: o frio que me percorreu a espinha quando irmão Firmino explicou uma reação em cadeia que, não fosse controlada, prosseguiria ao infinito. Era o incontrolável, coisa física que me causou um choque metafísico.
Pensei nisso ao ver as imagens desfocadas das explosões em Fukushima. A correria dos técnicos japoneses, os caminhões de bombeiro com seus jatos anacrônicos, os helicópteros largando nuvens desesperadas de água sobre os reatores. Tudo a ver com uma batalha antecipadamente perdida. Os chamados “50 heróis de Fukushima” – que na verdade são 180 – participavam de uma luta inglória.
Ao mesmo tempo, políticos, empresários e tecnocratas, como sempre, escondiam informações, minimizavam perigos, anunciavam vitórias inexistentes, manipulando dados. Era o incontrolável. Hoje, quarta-feira, dia 23, o incontrolável chegou às torneiras de Tóquio: a água está contaminada.
Não penso que tal susto possa ser atribuído apenas à minha ignorância a respeito do assunto. Há, no uso da energia nuclear, algo que urge discutir a partir de agora. Suas vantagens alardeadas compensam os riscos a assumir? Já tivemos pelo menos três grandes sustos desde 1979. Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima. Disparado o incontrolável, é preciso contar com a sorte e com o sacrifício de muitas vidas para deter o desastre.
O primeiro-ministro do Japão, Naoto Kan, entrou na sede da empresa Tepco, responsável pela usina, esbravejando e exigindo que algo fosse feito. A gritaria se espalhou pelos corredores do prédio. É uma cena emblemática. O que pensar de um instrumento gerador de energia que, ao falhar, nos deixa como alternativa contar com a sorte ou rezar? Ou esbravejar, se somos primeiro-ministro.
Para um leigo – faço parte dos 99,99% da população de leigos em assuntos dessa natureza – é assustador. O petróleo tem data marcada para morrer e é um poluidor feroz. As hidrelétricas causam impactos muitas vezes irreparáveis. No que se refere à energia atômica, o incontrolável nos espreita.
A questão da energia, venha ela do petróleo, do carvão ou dos reatores, levanta graves impasses. Uns esgotam recursos naturais e, outros, criam ameaças de fim de mundo. Talvez os projetos dos que falam em recursos alternativos e renováveis não sejam mero delírio romântico.
Se deixarmos o assunto nas mãos do “mercado” e dos tecnocratas, teremos surpresas. Como trovejava a voz de tenor do padre João Zelesny no começo de cada aula:
“Oremos!”
E nos obrigava a ficar de pé e a ouvi-lo desfiar um padre-nosso antes de enfrentarmos Tomás de Aquino e Aristóteles. Não nos restará mais do que isso.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O STF e o desprezo pela plebe rude: sujaram a ficha limpa



O Brasil, a despeito das fantasias de país paradisíaco e bonito por natureza, tem uma poderosa tradição autoritária. Medeiros e Albuquerque, ao escrever suas notáveis memórias – Quando eu era vivo – registrou, há quase um século, que após apresentar diversos projetos no Legislativo, optou pelo silêncio. Só era aprovado aquilo que o Executivo queria, no conteúdo e na forma. Ele preferiu de então em diante sussurrar seus projetos nos ouvidos dos áulicos do poder que depois os apresentavam como seus e de iniciativa do executivo. Eram aprovados. Conclui Medeiros e Albuquerque que no Brasil “o regime presidencial é uma miséria: o poder do presidente absorve todos os outros”.
No caso da Lei da Ficha Limpa, o STF, apesar das mais de um milhão e meio de assinaturas coletadas juntos à população do país, o Judiciário, pelo voto do novo membro indicado pelo Executivo - Luiz Fux, não esqueçam desse nome, nomeado por Lula – armou um circo, demorou, disfarçou e capou sem piedade o Projeto Ficha Limpa: a Lei não vale para as bandalheiras cometidas antes das eleições passadas, motivo pelo qual todos os patifes e ladrões ficam impunes e podem subir a rampa dos palácios como “suas excelências”.
Mas não é só. O ministro Ricardo Levandowski advertiu que o Judiciário havia apenas julgado a questão da aplicação da Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010 e que suas excelências – ou majestades, quem sabe – ainda não haviam apreciado o mérito constitucional da referida Lei.
O recado é direto e entenda quem quiser: no próximo passo aqueles sujeitos de capa preta poderão reduzir o belo projeto popular a pó de taque.
E assim a miséria política nacional prossegue.
O Executivo nomeia o Judiciário, que faz o jogo do Executivo, enquanto esse envia projetos de lei para o Legislativo, que, em troca de verbas e mensalões, aprova o que o presidente de plantão mandar. Como se vê, estamos fora dessa ciranda.
Medeiros e Albuquerque estava coberto de razão.

quarta-feira, 16 de março de 2011

A internet será a culpada?

 
Já ouvi muita gente reclamando da quantidade de lixo que, via internet, é atirada em nossos endereços de e-mail. No meu caso, passo mais tempo apagando ofertas as mais diversas do que lendo coisas que realmente me interessem. Mas não culpo a internet, por quem tenho simpatia por inúmeras razões.
Pensem na velha caixa de correio, aquela junto ao portão de casa, que desde sempre foi atacada por papelórios das mais diversas origens. Em épocas de eleições ou de liquidações – duas coisas semelhantes, aliás – elas eram entupidas com panfletos, sem falar nas ofertas de encanadores, consertadores de telhados e arrumadores de portões eletrônicos. Tudo isso já enchia as caixas de correio e ninguém culpava a existência delas pela invasão de privacidade.
Mas há outra acusação à internet que me parece também imprópria, ainda que mais grave. Trata-se da ideia de que hoje temos informação demais à disposição das pessoas, o que complica as cabeças já não muito ordenadas dos habitantes do século XXI.
É até verdade. Ouvi, para citar um caso, um jornalista carioca muito conhecido comentando que o mal da internet resulta do fato de que hoje qualquer um pode acessar textos os mais diversos, pois obras antes de raro acesso estão ao alcance de qualquer um que saiba clicar um mouse.
Isso tem cheiro de preconceito. O que estraga a circulação de ideias na internet é a falta de hábito de não se checar as informações. Falta um aparato crítico de leitor. Um texto escrito por um desses fazedores de palestras de autoajuda circula na rede como sendo de Aristóteles. Ora, Aristóteles falando em sucesso pessoal é no mínimo surrealista, senão um disparate. Equívoco que tem a ver com a falta de preparo de quem acessa a informação, não com o meio, que apenas tornou tal acesso mais fácil.
Por outro lado, esse tipo de comentário esquece um detalhe. A internet não criou os textos hoje disponíveis nela. Os textos – seja uma comédia de Molière ou algumas piadas do Costinha – já existiam e estavam disponíveis em bibliotecas, arquivos de jornais etc. A diferença é a facilidade de acesso,  não a existência de uma multidão de informações. A multidão infinita de informações é de sempre. E é muita. Diz-se que Aristóteles, aliás, foi o último sujeito que pode ler tudo que se publicara até sua época. Duvido.
Consultar livros em bibliotecas, porém, demanda tempo, deslocamento, certo conhecimento de como uma biblioteca funciona etc. Em muitos casos, nem isso basta, pois alguns documentos, tais como edições fac-similares, manuscritos, mapas, fotos, arquivos etc., só podem ser consultados em Paris ou Estocolmo. Com a internet, porém, é agora possível dar um passeio virtual pelo Louvre ou consultar obras raras recolhidas por José Mindlin.
Quero dizer uma coisa simples. As obras, a infinidade de documentos, já existiam e dormitavam nas bibliotecas. Hoje, caso tenham sido disponibilizadas, podem ser acessadas em tese de qualquer parte do mundo.
Não entendo, portanto, restrições a um meio – a internet – que afinal facilitou o acesso à informação, seja ela de que natureza for. A escolha de sua natureza e o uso que se fará de tais documentos, dependem do usuário, do leitor. Se despreparado, copia um trecho de Platão e coloca embaixo a assinatura do Paulo Coelho – ou, pior ainda, não vê diferença entre o filósofo grego e o autonomeado bruxo. Mas nada disso tem a ver com a Internet e sim com o preparo (ou falta de) quem a usa.
Todo sujeito que começa a se interessar por livros e leitura, alimenta num certo momento a fantasia de ler todos os livros do mundo. Wilson Martins confessou que passou por essa fase. Descobriu mais tarde que era uma impossibilidade. Livros e documentos existem numa quantidade impressionante e, consideradas as limitações humanas, são infinitos.
A verdade é que diante da infinidade de estímulos possíveis, precisamos selecionar aquilo que num dado momento nos interessa. Caso eu esteja pregando um prego, preciso recuperar informações a respeito do prego, da madeira e do martelo – e dos perigos que o uso destes três ao mesmo tempo pode acarretar. Quando pretendo ler um texto, preciso avaliar sua autenticidade, sua importância relativa, o contexto intelectual de seu autor, a época em que foi escrito etc.
Portanto, educação não é empilhamento de informações. Se não disponho de um aparato crítico, acabarei acertando uma martelada no dedo.

terça-feira, 15 de março de 2011

Como previ, Mangueira é campeã.


Meu querido amigo André Sefrin, emérito sabedor de literaturas e de cultura carioca, escreveu um comentário ao post que fiz no dia 8 de março, sobre a Mangueira. Ele é Portela, no que faz muito bem. E escreveu:

“Roberto, o Guilherme de Brito na sombra – são as intermitentes injustiças do mundo da arte... E como disse há poucos dias o agudo Aldir Blanc sobre a conservadora Beija Flor e a gloriosa Mangueira: esse tal de Roberto Carlos Braga, com seus shows de Natal na Rede Globo, não chega nem aos chinelos de Nelson Cavaquinho.”

Falou e disse, como se dizia e falava nos tempos do Pasquim. Estou com o Aldir. Roberto Carlos é representante de um sentimentalismo piedoso e demagógico, essa coisa molóide e piegas, com suas “emoções” – porque não experimenta pensar vez por outra? – repetitivas e chatinhas. Seus herdeiros são esses inúteis sertanejos – não confundir com música caipira, que é ótima – esses jecas que macaqueiam o country americano, essas duplas cantando em terças miúdas e estridentes as dores de corno mais cafonas.

Mas nem tudo está perdido. O André Seffrin descobriu dia desses que mora na casa em que viveu e compôs – nos anos 40 e 50 – um dos craques da música brasileira, Jair Amorim, que formou com Evaldo Gouveia uma parceria notável, responsável por clássicos de nossa cultura musical. Por isso o André vai colocar uma placa no quintal de sua casa, registrando: “Aqui morou Jair Amorim, autor de “O Conde”, entre outras obras-primas da música brasileira”.

E, para o prazer dos leitores, aí vai o vídeo do clássico “O Conde”, de Jair Amorim e Evaldo Gouveia, na interpretação do sacudido e competente Jair Rodrigues.


terça-feira, 8 de março de 2011

Como sempre, a Mangueira é a campeã


A música popular brasileira é rica em exemplos de duplas imbatíveis. Músicos e poetas que nasceram um para o outro. Tom e Vinícius. João Bosco e Aldir Blanc. Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Como é natural, o nome de um deles lembra de imediato o nome do parceiro.
Há um caso, porém, em que me parece haver certa injustiça. Trata-se da parceria que existiu entre Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito. Nelson, com sua figura ímpar, sua voz de cerveja estupidamente gelada, seu jeito único de segurar e tocar o violão, sem falar no folclore que cerca sua vida, é merecidamente reconhecido e louvado.
Mas Guilherme de Brito, que não fica atrás de Nelson em genialidade, sendo autor de alguns versos que se encontram entre os mais belos da língua portuguesa, talvez por sua timidez, sua aparência banal, meio sisudo e triste e introvertido, nem sempre é lembrado como merece. No entanto, tem o mesmo porte de Nelson.
É nisso que pensei após assistir o desfile da Mangueira, que homenageou Nelson Cavaquinho. Guilherme de Brito não foi esquecido, mas, como sempre, ficou na sombra. Merecia destaque maior. Foi um grande músico e um poeta refinado.
Seja como for, isso não é uma crítica ao desfile da Verde e Rosa. Apenas aproveito esse papo para dizer que me perdoem os imparciais, mas nisso de escolas de samba, sou fundamentalista: a Mangueira é sempre a campeã.

sexta-feira, 4 de março de 2011

O Magnífico Cisne Negro Pop

O jovem de vinte anos se chama John Lennon da Silva. Brasileiro.

Ele dança uma interpretação originalíssima de A Morte do Cisne. A coreografia é dele mesmo. O figurino também. O talento nem se fala. Juro que é sensacional.