domingo, 16 de fevereiro de 2014

O roubo da magnólia branca







Caminhava pensativo quando ouviu o chamado:
- Ei, senhor! Foi do senhor que roubaram a magnólia branca?
No outro lado da rua viu uma mulher idosa e um cachorrinho.
- Não, respondeu ele. Não fui eu.
- Não é possível! gritou a mulher. Juro que era o senhor.
- Sinto muito, mas eu... quer dizer... Eu não fui roubado.
- O senhor não estava amarrando o tênis quando veio um rapaz e roubou a magnólia? Um rapaz magro e alto.
- Não, não – disse ele, tentando retomar seus passos.
Ela o interrompeu:
- Espere um pouco, por favor.
Atravessou a rua, quase degolando o cachorrinho.
- Deixa eu ver, disse ela.
O observou de frente, de perfil e de costas, dando uns pulinhos para os lados e exclamou:
- Não é possível! Juraria que foi o senhor.
- Lamento. Nada sei dessa magnólia branca.
- Mas deveria.
- Deveria?
- Claro. Precisa ver como o senhor... quer dizer, o tal que é a sua cara, ficou desesperado. Mas o ladrão sumiu feito um risco.
- É, brincou ele, ladrões costumam ser rápidos.
- O senhor não está me levando a sério.
- Absolutamente.
- Fiquei preocupada com o seu... quer dizer, com o desespero do homem. Tanto que mudei o caminho por causa do Felipe.
- Felipe?
- Meu cãozinho.
Ele olhou para o cãozinho, que o observava em agonia, o pescoço torto enforcado na coleira.
- Pois o Felipe parecia saber de alguma coisa. Me fez ir até a avenida... – ela abriu os braços e o Felipe gemeu esgoelado – E o que vejo?
- O ladrão com a magnólia.
- Não. O ladrão sem a magnólia. Passou correndo por mim.
- E a senhora achou a magnólia?
- Aí é que está. Não achei.
- Então...
- Bom, o senhor poderia ir até a avenida procurar por ela.
- Mas para que eu vou querer uma magnólia?
- Aí que o senhor se engana. Magnólia é muito bom. Faz um bem danado.
- Não parece. O tal sujeito que tinha a magnólia foi assaltado...
- Por isso mesmo. Quem não tem, rouba. Dá sorte. O senhor se daria bem com ela. Deve ir até a avenida para verificar. Quem sabe o ladrão a largou na calçada. Tudo é possível.
- É verdade, concordou, tudo é possível.
- Certo. Por isso não deixe de recuperar a magnólia que roubaram do senhor... quer dizer... de alguém como o senhor. Dá no mesmo.
Vencido, jurou ir à avenida e procurar a magnólia. Ela arrastou o Felipe pela rua e, lá do outro lado, gritou:
- Tá vendo? Eu sabia que era o senhor!



terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Perguntar não ofende: as mulheres sobem em vasos sanitários?








Que me desculpem os leitores desse blog, mas ando intrigado. Encontrei os avisos acima em vários banheiros. Nada a estranhar. Há avisos assim por toda parte, a maior parte deles duvidando previamente do comportamento higiênico dos usuários, o que não se estranha também.
Mas esse aqui, bem confeccionado e com papéis e textos dedicados a cada um dos sexos, me deixou intrigado. Que se peça ao mijão para não urinar no chão, tudo bem, pois é o que costuma fazer, por desleixo, distração ou por outras causas. E o pedido de que dê descarga e jogue o papel higiênico no lixo também é justo.
Vamos então à mijona. É justíssimo pedir que o absorvente seja colocado no lixo junto com o papel higiênico, sendo que depois se deve dar descarga.
Agora, pedido de que “não suba no vaso sanitário”?
Mas quem é que sobe em vaso sanitário, Deus do céu?
Juro que por essa não esperava. Jamais pensei que mulheres se dedicassem a esse tipo perigoso de acrobacia. E para quê? Para evitar contato com o vaso há outros recursos, imagino. Por exibicionismo não deve ser. E quem as flagrou nessa estranha posição? Por certo alguma delas despencou lá de cima, quebrando o vaso. Seria isso? Seria frequente?
É por essa e por outras que o mundo feminino me parece indecifrável.



domingo, 2 de fevereiro de 2014

Os perigos que nos rondam numa livraria







Pretendia ir ao cinema. Uma jovem engaiolada na bilheteria me informou que o filme não seria exibido. Sem o que fazer, andei pelo shopping e, por automatismo, entrei numa livraria feéricamente iluminada. Mesmo em livrarias de shopping é possível encontrar um bom livro, pensei.
Levei o primeiro susto. Passou por mim um sujeito vestindo avental. Noite estranha. Promoção de livros sobre churrasco? Não. Todos os atendentes usavam aventais. Estariam se protegendo dos livros? Claro, livro junta poeira, mesmo best-sellers de alta rotatividade. Qualquer dia usarão luvas. Pegarão os livros com os dedos em pinça. Talvez sejam contagiosos.
Foi quando uma senhora passou por mim levando um livro a um senhor com cara de marido.
- A Kika não vai gostar, disse o que tinha cara de marido.
A mulher voltou à prateleira e sacou outro livro. Esse agradou ao marido.
- São textos curtinhos, aprovou ele.
Foi quando surgiu um tipo grandão, barbudo, caçando um atendente de avental. O grandão perguntou, quase aos berros:
- Onde tem um Antônio?
O atendente arregalou os olhos, perplexo.
- Tudo bem, explodiu o grandão. Pode ser um Aurélio. Um Antônio ou um Aurélio, tanto faz.
E lá saíram os dois em busca do Aurélio ou do Antônio. Antes disso, o grandão deu uma piscadela marota para mim, feliz por ter sacaneado o atendente.
Voltei às prateleiras. Estranha noite. Encontrei um romance cujo título fazia mais uma paródia da frase de Marx, tudo que é sólido desmancha no ar. Ao final havia extensa bibliografia. Livro de ficção com bibliografia. Estranho.
Recoloquei o livro na estante e fiquei feliz ao dar com uma coletânea de Rubem Braga. Um bálsamo. Abri o livro e percebi que as páginas estavam de ponta cabeça. Fechei e abri novamente o livro. Eu estava enganado. Era um truque do editor. O livro era duplo e cada metade estava impressa num sentido. O leitor abre de um lado, vai até a metade e, depois, abre do outro lado. Com o livro de ponta cabeça.
Pobre Braga. Quem terá dado aquela ideia estapafúrdia a seu editor? Quem seria o gênio da programação visual? Que sentido editorial ou literário imprimir dois livros juntos, cada um voltado para um norte? Noite estranha.
Foi quando descobri a autora autografando. Não sei quem era nem o que autografava, mas percebi que se vestia com exuberância generosa, sendo bonita, bem maquiada, as belas pernas cruzadas. Conversava com uma das moças envelopadas em avental. Diante de um cinematográfico cartaz de seu livro, a autora era a própria imagem da solidão. Conversava com a atendente e seus olhos dardejavam em busca de um pedido de autógrafo.
Voltei às prateleiras e encontrei um Ferreira Gullar. Já me dirigia ao caixa quando vi que a lombada estava danificada. Desisti do poeta. Troquei-o por um José Cândido de Carvalho, que li há muito tempo, valeria reler. Fui ao caixa, paguei e sai de fininho, perseguido pelo olhar da autora de belas coxas – olhar guloso que imaginava afinal dar um autógrafo cuja vítima seria eu.
Só me refiz ao chegar ao estacionamento. Estava salvo.
Fora uma noite estranha, muito estranha.