sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A guitarra de Jimi Hendix





Como já divulguei aqui, meu novo livro de contos – A guitarra de Jimi Hendrix - foi lançamento no dia 17 passado.
Por isso deixei disponível para sua leitura, aqui blog, um dos contos - O terno branco.

Para fazer o download desse conto ou ler na tela, basta clicar nesse link.

Para adquirir o livro, acesse o site da Editora Insight aqui.

É fácil, rápido e seguro. O livro será entregue em seu endereço em no máximo cinco dias.

Em Curitiba, o livro já está nas Livrarias Curitiba, na Livraria do Chain, no Sebo Capricho e na Livraria do Museu Guido Viaro (Rua XV, 1348, esquina com Gal. Carneiro). Mais adiante estará disponível em outras livrarias.



domingo, 21 de dezembro de 2014

Cadê o ratão?









Eles vieram aos poucos.
Certo dia escutei marteladas ao passar pela cozinha. Estranhei, pois ao lado do prédio havia apenas um terreno coberto de mato. Matagal respeitável, feito desse capim que se chama de praga, além de pequenos arbustos.
Apareciam passarinhos e algumas borboletas davam bordejos por ali. E eu me sentia, aqui do terceiro andar, contemplando um jardim.
Foi quando descobri um habitante daquelas paragens. Um ratão gordo e cinzento, com o qual me encontrei de supetão na entrada do edifício. Eu saía com meu carro e o ratão vinha em disparada na direção da garagem. Freei bruscamente. O ratão fez o mesmo. Brecou as patas, derrapou uns centímetros de bunda virada e disparou rampa acima. Voltou ao matagal.
Passei a olhar o matagal com outros olhos. Ali morava alguém. Um ratão. Feio e balofo, mas um ser vivo. Escondido pelo capim e pelos arbustos, estaria por ali, quem sabe a olhar para cima tentando descobrir o que aquele sujeito fazia na janela observando seus domínios.
Penso que mesmo um ratão deve ter certo senso de propriedade, tanto que, ao dar com meu carro na rampa da garagem, disparou de volta a seu mundo, sabedor que estava fora de seus domínios.
Assim passamos a viver. Ele lá, eu aqui. Nunca mais o vi. Recusado por ser um bicho feio e desajeitado e sujo, estaria lá. O matagal adquiriu para mim um novo sentido. Era moradia de alguém, além de pássaros e borboletas.
Naquela ocasião eu podia ver um edifício vizinho, em cujas janelas quase nunca aparecia alguém, exceto um sujeito gordo de camiseta regata e, um belo dia, uma jovem ao telefone. Sendo jovem, ficou durante horas falando, falando, falando. Isso deu um novo sentido ao cenário. Pássaros, borboletas, um ratão, um gordo e uma jovem ao telefone. Falaria com quem? Nunca saberei.
E o ratão, falaria com quem? Talvez houvesse alguma ratinha por ali, mas nunca a vi. Falar nisso, por que ele tentou entrar desesperado na garagem naquele dia? Algum gato o perseguia ou quem sabe outro ratão dono da ratinha? Aquele terreno verde, cheio de mato, era enfim um universo a explorar e eu me divertia.
Agora tudo isso acabou. As marteladas eram dadas por dois homens que fincavam estacas. Fizeram buracos, brotou água do chão, escavaram. Depois veio uma máquina que, com crueldade, destruiu o que havia de mato. Restou apenas a terra revirada, que outra máquina tratou de aplainar. Surgiu então uma grua gigante, espécie de gafanhoto metálico, que enfiou um parafusão no terreno. Temi que viesse um bate-estaca. Mas não. Feito o buraco, outro gafanhoto lá da rua enviava concreto para enchê-lo. Ferros foram espetados. Depois, mais concreto e mais ferro e vigas e pilares e lajes e tijolos e lá está o edifício em seu quinto andar.
Sem moça telefonando na janela, sem sujeito gordo de camiseta.
E fiquei me perguntando: cadê o ratão?
Eis o que me preocupa. Onde foi parar o ratão nesse terreno devastado? Passarinho e borboleta voam para longe, a jovem arranjará outra janela da qual telefonar. E o gordo talvez percorra com olhos curiosos o edifício que sobe.
Mas o ratão? Eis o que me parece indecifrável.




quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A guitarra de Jimi Hendrix



No dia 17/12, quarta-feira, será lançado meu novo livro de contos,
A guitarra de Jimi Hendrix.
Quem for de Curitiba, está convidado a comparecer ao Museu Guido Viaro. Quem não for, pressione seu livreiro para encomendar o livro.
São quinze contos. De um violino que reinventa destinos a um Almirante que agoniza entre o som e a fúria. De um piano tocando em plena guerra a Dom Antonio, o criador de falsas invencionices. De uma vovó que tinha um amante à guitarra de Jimi Hendrix, que tudo explica ou não. Entre outros.


domingo, 7 de dezembro de 2014

Um país esquizofrênico








O Brasil passa por um período de esquizofrenia.
Sempre teve dificuldades em aceitar a si mesmo. Quis ser português, negro, índio, e misturou as três raças com sucesso – mas faltava algo. O quê? Não se sabia. Por isso, ao longo do século XIX quis ser francês e, com a chegada do século XX, norte-americano. Acabou resultando num país macaqueador de várias origens.
Hoje se repete à exaustão Nelson Rodrigues: é um povo com complexo de vira lata. Ele bolou a frase pensando no futebol, mas ela se tornou um conceito aplicável ao país.
Acrescento que, além de vira-lata, é um país intelectualmente invertebrado. Não tem ossatura filosófica que o sustente. Pensa ser generoso, criativo, mas os resultados deixam a desejar. Imagina ser abençoado por Deus e bonito por natureza, mas passa férias em lugares de turismo consumista e fútil, gastando nisso verdadeiras fortunas.
Sérgio Buarque de Holanda, na obra Raízes do Brasil, o descreveu o brasileiro como “homem cordial”. Poucos brasileiros leram a obra, mas quem leu e quem não leu interpreta o conceito erroneamente. Imaginam que o brasileiro é pacífico, bonzinho e incapaz de revoluções sangrentas. Sérgio Buarque não disse nada disso. O homem cordial é aquele que se guia pelo coração (do latim cor, cordis) e não por construções intelectuais complexas. Um alemão representaria a racionalidade do conceito, um inglês a racionalidade experimental e um americano o utilitarismo empírico. O brasileiro, o coração. Que pode ser cruel, vingativo, violento, tirânico – governado pelo coração.
Por isso, as escolhas políticas brasileiras oscilam ao sabor dos ventos. Sem ossatura intelectual que as sustentem, enaltecem a emoção. Cultivam líderes messiânicos, aguardam o retorno de Dom Sebastião, imaginam que as disputas políticas e filosóficas são variações de um Flaflu.
Comportam-se como torcidas organizadas, fanáticas e toscas. Daí campanhas eleitorais esquizofrênicas, em que se chocam personalidades supostamente capazes de conduzir o povo ao paraíso. Discutir ideias, planos, projetos, alternativas racionais ou empíricas, experimentar novas soluções, rever erros, construir e inventar algo novo – nada disso está em jogo. Gira-se apenas em torno do apego emocional a um líder, a um partido, a uma bandeira de torcida.
Restam os xingamentos. Nas últimas eleições, termos pejorativos dirigidos aos inimigos foram urrados pelas torcidas, que não sabia e continua sem saber o que estava urrando.
FHC, ao assumir, pediu que esquecessem o que havia escrito. Lula, que nada escreveu, embarcou em ventos favoráveis e declarou que nunca fora socialista. Depois, criou o Poste. O Poste levou o país a um beco do qual agora imagina sair recorrendo a executivos e professores que antes demonizou como neoliberais.
Nenhuma ossatura intelectual. Dia desses, no Facebook – esse pátio virtual dos horrores – alguém denunciou corrupção do adversário com ares de triunfo: “O PSDB também rouba!” E alguém contra-atacou: “Vai pra Cuba!”
Minha mãe, mulher sábia, diria: é o roto desfazendo do esfarrapado.
Minha mãe tinha ossatura intelectual.