sábado, 22 de agosto de 2015

Tico Bonito, o palhaço o que é?



O Palhaço Tico Bonito, em Cascavel, cercado por policiais nada engraçados




Tico Bonito, o palhaço em questão, é um sujeito pequenino, miúdo, de aparência frágil. Mas é claro que a força de um palhaço não se mede pelo volume dos músculos ou pelo calibre da arma que carrega na cintura.
A arma do palhaço é o riso, a graça, a irreverência. Há algo que o palhaço leve a sério? Poucas coisas. Uma delas é o público, sobretudo as crianças. Mas um palhaço faz mais do que isso. Fala para todos, diverte e faz rir e pensar a velhos e moços e crianças, desde que tenham resquícios de alma infantil.
Pois lá estava o Tico Bonito se apresentando no calçadão da cidade de Cascavel, Paraná, participando de um festival infantil de teatro. Sua identidade civil é Leônidas Quadra, mas ali ele é apenas o palhaço. As crianças e os adultos que estão a sua volta se divertem.
É quando passa pela rua lateral ao calçadão uma viatura policial. Tico Bonito, movido pela irreverência natural a seu papel, comenta então que os policiais que ali passavam eram serviçais do governador, defensores da burguesia, preocupados com o centro da cidade e não com a periferia.
Como é sabido, a reação de Tico Bonito reflete indignações ligadas a acontecimentos recentes, quando tropas policiais do Estado do Paraná produziram uma batalha campal criminosa contra professores que protestavam no Centro Cívico, em Curitiba. A pancadaria, as bombas, deixaram feridas que ainda não cicatrizaram por completo – talvez nunca cicatrizem. O palhaço sabia o que estava dizendo, mas os policiais pareciam não saber o que estavam ouvindo.
Eles estacionaram a viatura policial e se dirigiram ao palhaço anunciando que estava sendo preso por desacato à autoridade. A autoridade, no caso, eram eles, três policiais com o dobro de volume e o triplo de músculos. Para executar a colocação de Tico no camburão, no entanto, os policiais precisaram de reforços. Outros policiais chegaram, um deles com uma arma de grosso calibre em punho, além de policiais a cavalo. A multidão tentou reagir, mas foi inútil. Tino Bonito reagiu com energia, mas força bruta venceu.
Foi Tancredo Neves quem disse certa ocasião, em plena ditadura, que temia mais o guarda da esquina do que ao ditador de plantão. Foi o que se deu.
Tico foi submetido a empurrões, pescoções, trancos. Reagiu valentemente, berrou, recusou-se a ser enjaulado. Os populares em volta também interferiram, gritaram, empurraram, mas de nada adiantou. Tico foi trancafiado depois de muita resistência e foi levado para a delegacia.
Vamos lembrar que o que Tico disse da política, embora possa ser discutível, expressa o pensamento do Palhaço e do cidadão Leônidas Quadra. Aliás, expressa a opinião de inúmeros pensadores, filósofos, educadores, sociólogos, jornalistas, professores e de cidadãos comuns que clamam por paz e segurança.
O que fará a policia? Irá prender a todos eles por desacato à autoridade? Arrogará a si o direito de dizer o que é correto e o que não é correto se dizer a respeito dos poderosos? Imaginam-se defensores de governantes ofendidos?
Equívoco perigosíssimo. Imaginar que sua função de “manter a ordem” alcança o que pensam as pessoas e o modo como elas expressam sua opinião é um sinal a mais do caos sócio-político ao qual chegou nosso pobre país.
Deixemos os palhaços em paz, portanto.
E que as “autoridades” deixem de palhaçadas. Eles não são do ramo.




sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Por que Dilma e Lula discursam aos berros?





Para quem não conheceu João Zelesny, lá vai.
Era um daqueles padres que, mesmo depois do Concílio Vaticano II, continuou enfatiotado numa batina negra e esvoaçante – nunca lavada, segundo a maldade dos alunos. Um iugoslavo da gema, nascido no Brasil, que lecionou Filosofia (preferia se dizer professor de Metafísica) na então Faculdade Católica do Paraná, hoje PUC/PR. Era um sujeito grande, afobado, suarento, que dava a impressão de estar sempre atrasado para um encontro importantíssimo. Nisso lembrava o Coelho da Alice no país das maravilhas. Aliás, tinha um relógio enorme dependurado numa corrente, que puxava do bolso da batina num só golpe – agitado, mal o olhava, tornava a enfiá-lo no bolso. Se alguém lhe perguntasse que horas eram, ele precisava olhar o relógio de novo. Como um mágico, retirava lenços encardidos da manga da batina, enxugava o rosto encharcado de suor e despejava sobre nós, alunos de filosofia, os ensinamentos de São Thomás de Aquino.
Passava pelos corredores da Católica, que ficava na esquina da XV com a Tibagi, numa velocidade de atleta profissional, carregando uma maleta preta, gorda, de onde era capaz de retirar livros de filosofia em grande quantidade, lenços encardidos, eventualmente uma dentadura, além de uma bíblia reluzente, não de limpeza, mas de tão gasta pelo uso.
Pois um dia vou escrever mais sobre ele. É um personagem notável. Hoje apenas registro algo que ele disse em sala de aula, não sei a que propósito, a respeito de pessoas que falam aos berros:
- São inseguros. Por isso simulam a segurança do berro.
Pois hoje, cada vez que sou obrigado a ouvir os discursos – vamos chamá-los assim, por falta de palavra melhor – da presidente Dilma, me lembro de Padre João e de sua análise dos berradores.
 Ao falar, ela oscila de um lado para outro e berra, pouco importando a ocasião ou a plateia que enfrente. Nem a potência dos microfones. Não acredita em botões de volume.
É com certeza uma criatura muito insegura. Confusa e insegura. Teme que não acreditem em seus poderes porque ela mesma duvida deles. Tal como seu criador, que se disse o inventor do poste, está sempre nos limites da apoplexia.
Duas criaturas que foram guindadas a postos que jamais imaginaram e para os quais não estavam talhadas.
E dá-lhe berreiro, sobrancelhas desencontradas, gestos desconexos, balanços aflitos, concordâncias gramaticais inéditas, metáforas constrangedoras.


PS: para não ser injusto, lembro que muitos políticos discursam aos berros; uma insegurança própria do bando.





terça-feira, 4 de agosto de 2015

Autoritarismo à brasileira (do Marechal à presidente)







O autoritarismo é endêmico no Brasil, embora nem sempre seja explícito. Tivemos o autoritarismo do início da República, onde o Marechal Floriano Peixoto se destaca como tirano mandão, capaz de tomar a Ilha do Desterro, fuzilar seus líderes e impor à cidade um nome em sua própria homenagem. Mas Floriano não poderia prever que o nome Desterro fosse mantido até hoje pelos nativos e moradores da ilha. Ou prever que o povo criaria um novo nome para ela: Floripa. Feminino. Longe de lembrar o homem de ferro machão que o Marechal pensava ser.
Tivemos outro período de explícita ditadura, a de Vargas. À direita e à esquerda há quem lembre que Getúlio fez inovações. Verdade. Mas esquecem que ele é cria e herdeiro de um tirano gaúcho, Borges de Medeiros, positivista, centralizador, capaz de rasteiras espetaculares no povo e em adversários. Getúlio era ambíguo, malandro, namorou com o fascismo e o nazismo enquanto pode, chantageou os aliados e só quando viu a canoa ameaçada e avaliou as vantagens, se aliou aos inimigos do Eixo. Mandou pracinhas lutarem em seu lugar nas terras da Europa.
Um terceiro momento foi inaugurado em 1964 – e nem todos hoje lembram o que significou. Alguns alardeiam o progresso do país no período, sempre esquecendo as obras inacabadas, a destruição das instituições democráticas, as mortes e perseguições, os exílios políticos internos e externos. O autoritarismo dos militares tem vários nomes e dois ícones: Geisel e Figueiredo – que, aliás, foi humilhado em Floripa. Valentão de anedota, tentou partir para a porrada contra o povo na praça XV. Se deu mal.
Hoje, assombrados com a corrupção gerada nos governos petistas, alguns direitistas dizem que com os militares no poder não havia corrupção. Mentira. Um ministro era conhecido, inclusive internacionalmente, como “aquele dos 10%”.  Outro, que posava de empreendedor, seria hoje um prato cheio para o Juiz Sérgio Moro.
Acrescente-se outro traço dos políticos brasileiros: o apego desesperado ao poder. Prova disso é que político brasileiro não renuncia. Alguém poderia lembrar que dois renunciaram: Jânio e Collor. Ora, Jânio não renunciou. Ele armou uma farsa que pretendia ser um trampolim para voltar ao poder nos braços do povo. O povo lhe devolveu uma banana. E Collor não renunciou: deixou um bilhete e saiu pela porta da frente, disparando olhares selvagens, porque sabia que, mais um dia, sairia pela porta dos fundos.
Hoje vivemos um momento tenebroso de nossa história. Temos uma presidente que sempre se apresentou como gerente, técnica e durona, mas que se revelou exatamente o contrário. Gerenciou mal (a Petrobrás que o diga), não tem nenhuma qualificação técnica notável (enfiou o país numa crise financeira e social medonha) e nem mesmo é durona (já não manda nem no próprio mandato). Dilma é joguete de políticos do naipe de Eduardo Cunha, de fantasmas no armário como Lula, de empresários e políticos que podem incluí-la numa delação premiada junto com o seu mentor. Goza de míseros 6% de aprovação.
 No entanto, acena com seus quatro anos de mandato conquistados nas urnas. É verdade, é um mandato conquistado legitimamente nas urnas. Mas há um porém. Sempre há um porém. O mandato presidencial, em qualquer país decente do mundo, não é cheque em branco que permita a seu portador fazer o que bem entende. Assim como é recebido, pode ser perdido. Perdido pelos desmandos administrativos e políticos, pelas roubalheiras suas ou de seus comparsas, pela avaliação popular (e democrática) dos eleitores.
Mas aqui não é assim. A presidente se comporta como se fosse proprietária de um mandato digno de um Papa, cujo poder é garantido até a morte.
Para que lembrar tudo isso? Ora, em qualquer país democrático a pressão popular seria tamanha que seus poderes já teriam sido retirados. E num país no qual os governantes guardassem um mínimo de respeito pela vontade do povo, ela já teria – e seria um último gesto de grandeza que lhe sobraria – renunciado ao cargo, que leva adiante como um circo mambembe. Vive escondida, exibindo-se só para públicos domesticados, inaugurando obras inacabadas, promovendo reuniões nas quais mendiga – ela, a mandona – apoio e diálogo.
Quem tanto esbravejava, colocando o dedo no nariz de todos, hoje mendiga.
É algo sobre o que se deveria refletir.