O leitor conhece Niède
Guidon? Se não conhece, deveria conhecer. Eu confesso que a conheço menos
do que deveria. Então, eis o pouco que aprendi, com a promessa de que vou
estudar mais a respeito dessa brasileira notável.
Filha de pai francês e mãe brasileira, Niède Guidon nasceu em Jaú, 1933.
Estudou na USP e fez especialização em
arqueologia pré-histórica na Sorbonne, tendo trabalhado no Museu Paulista.
Dedicou sua vida ao estudo e preservação do sítio arqueológico de São
Raimundo Nonato no Piauí. Um trabalho de mais de 40 anos.
Niède
obteve reconhecimento internacional. Em 2010 recebeu da UNESCO, em Joanesburgo,
medalha entregue a pessoas que prestaram trabalhos relevantes na área da
pesquisa, divulgação e preservação dos patrimônios culturais da humanidade. No
mesmo ano recebeu pela Fundham a medalha de ouro pelo primeiro lugar na
premiação para a Cultura do Herity Italia (Organizzazione per la Gestione di
Qualità del Patrimonio Culturale - Commissione Nazionale Italiana).
Segundo
Niède Guidon, a datação e a forma de povoamento do continente americano ainda
não foi devidamente explicado. Em geral os cientistas acreditam que o ser
humano chegou ao continente há 15 mil anos. Não é o que pensa Niède. Segundo
ela, artefatos comprovariam que tal data deve ser afastada para mais longe, lá
por volta de 45.000 anos.
A
divergência estaria na dificuldade em se distinguir o que foi criado pela mão
humana, os “artefatos”, daquilo que pode ter sido gerado por processos
naturais, os chamados “geofatos”. Niède passou a vida pesquisando, mas as
evidências ainda não permitem estabelecer um conclusão aceitável por todos.
Ela, com sua alma de cientista, diz que isso não a constrange. Sua pesquisa
busca comprovações científicas e, caso alguém provar que ela está errada,
ficará muito grata. A verdade é que as evidências que seu trabalho produziu têm
se mostrado cada vez mais consistentes.
No
entanto, os problemas que Niède enfrentou não se relacionam a questões
científicas. Estão ligadas ao descaso e a incompreensão das chamadas
autoridades políticas diante do trabalho científico, seja ele qual for.
Daí o
depoimento sofrido que ela fez recentemente. Explicou que morava em Paris, de
onde saiu, cedida pelo governo francês, para trabalhar no Brasil. Trocou, diz
ela, Paris pela Serra da Capivara empolgada com a possibilidade de “defender
esse patrimônio e não consegui. Realmente um fracasso total”.
Tal
decepção se vincula à falta de empenho do Governo Federal para com o Parque. A
situação degradou-se a tal ponto que até o final deste ano a Fundação pode
fechar. Como sempre, faltam verbas, num momento, aliás, em que a presidente da
república – acrescento eu – vai à Suécia para a compra de 36 aviões de caça
Gripen NG da empresa sueca Saab. Lá se vão 5,4 bilhões de dólares.
“Pra
mim é o fim de tudo isso”, diz Niéde Guidon.
Os recursos que chegam
ao projeto são destinados a obras, sendo que a carência é de pessoal. Isso
levou à demissão de muitas pessoas. Alguns recursos que vinham da Petrobrás
para a manutenção do Parque evaporaram com a decisão do então presidente Lula,
em 2008, de mudar a legislação e criar um Fundo em Brasília. Os recursos?
“Sumiu tudo”, diz Niède.
A equipe, então
composta de 270 funcionários, foi reduzida para 40.
A saída seria o Parque
se tornar autossustentável, para o que seria necessário um aeroporto que
desenvolvesse o turismo, que conta com 25 mil turistas por ano. O projeto não
precisaria do governo se o aeroporto não tivesse demorado 17 (isso mesmo,
dezessete) anos para ser construído.
Inaugurado precariamente no dia 27 de outubro passado, não tem nenhuma
linha regular ainda, não opera e tem suas obras contestadas pelo MP em função da
deterioração de suas instalações ao longo desses anos. A inauguração foi feita
com todas as pombas. Foram tiradas fotos e feitas filmagens.
Niède é, quanto a isso,
categórica: “Tudo isso veio tarde demais. Nesse parque nacional foram
investidos mais de 4 milhões de dólares que a Fundação conseguiu com o Banco Interamericano,
com a França, Itália. Como disse a própria Unesco, é uma infraestrutura
fantástica, isso pertence ao Brasil e vai ser destruído”.
Diz ela que tal
situação não tem nada a ver com qualquer crise pela qual o país esteja passando.
O que há é descaso. “O Parque é nacional, sendo de obrigação do governo
federal, do qual sempre tivemos apoio, mas agora está em redução completa
porque o Brasil está falido”.
Eis a conclusão de mais
de quarenta anos de trabalho e dedicação dessa mulher extraordinária, dessa
cientista dedicada e competente. Aos 82 anos, ela assim resume sua
decepção: "Acreditei que ia dar certo e não deu.
Realmente eu estou muito decepcionada com o que estou vendo aí. É uma coisa
terrível".
Ela pensa
em mudar-se para Paris.
NOTA: Sendo impossível dar todos os detalhes aqui, indico aos
interessados pesquisar na Internet sobre Niède Guidon e o Parque Nacional Serra
da Capirava, onde estão inclusive alguns dos artigos e entrevistas nos quais me apoiei para
escrever esse texto.