quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

PUBLICA-SE NO BRASIL - por André Seffrin


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O artigo aqui publicado é escrito por André Seffrin, um refinado crítico da literatura brasileira contemporânea. Ele destaca duas boas antologias (Antologia da poesia erótica brasileira, edAteliê, 2015, org. Eliane Robert Moraes e Poemas para Dom Quixote & Sancho, edUFPE, 2015, org. Carlos Newton Jr.) e um livro muito ruim mas que é badalado por aí para enganar incautos, A poeira da glóriauma (inesperada) história da literatura brasileira, ed. Record, de Martim Vasques da Cunha. Sobra uma paulada em Bruno Tolentino.

Não perca. Para não ler gato por lebre. 



PUBLICA-SE NO BRASIL -  André Seffrin

É tempo de boas antologias por aqui. Para começo de conversa, a Antologia da poesia erótica brasileira (Ateliê, 2015), organizada por Eliane Robert Moraes, nossa especialista no tema, que escreve um prefácio bem situado e reúne poemas de Gregório de Matos aos contemporâneos. Já os Poemas para Dom Quixote & Sancho (UFPE, 2015), organizados por Carlos Newton Júnior, nosso afinado antologista e também poeta dos bons, é livro que reúne um grupo forte de poetas de língua portuguesa em torno do mito do Quixote no quarto centenário da publicação integral desse clássico de Cervantes.
E é igualmente tempo de ensaio, de bons ensaios e alguns nem tanto. O livro de João Cezar de Castro Rocha, Por uma esquizofrenia produtiva: da prática à teoria (Argos, 2015, organização de Valdir Prigol), e o de Roberto Acízelo de Souza, História da literatura: trajetória, fundamentos, problemas (É Realizações, 2014), ambos de qualidades excepcionais, deveriam orientar todos os cursos de Letras deste país baldio, sobretudo para que as novas gerações de estudantes alcancem noção menos estreita das tantas dificuldades que envolvem o ensino da literatura.

Ao contrário, o “compêndio” A poeira da glória: uma (inesperada) história da literatura brasileira (Record), de Martim Vasques da Cunha, está entre os “ensaios nem tanto”, ou melhor, entre os maus livros do período. Outra informação estampada na capa entrega o jogo: “O livro que até mesmo o politicamente incorreto considerou imprudente”. E o resto é mágica de circo, jornalismo literário de muito duvidosa extração, bem ao gosto do funil mercadológico de sempre. Pode ser bastante lucrativo para o editor, por vezes atrai público ávido por verdes e amarelas novidades frívolas e pode render um bom direito autoral. Não acompanhei, mas é possível que tenha alcançado divulgação na Veja (essa revista que, segundo um amigo, devemos folhear com luvas Lemgruber). Sim, um livro recheado de afirmações bombásticas e citações equívocas, como aquela do soneto na página 558, que Vasques da Cunha utiliza de exemplo ao tratar do que define como “a tragédia de José Guilherme Merquior”. Pois sim, só incautos ainda acreditam nesse grande embuste chamado Bruno Tolentino e seus mágicos sonetos...





terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Galeno e o (assim chamado) coito






A frase é de Galeno, notável médico e filósofo romano de origem grega. Diz o seguinte:

“Depois do coito todos os animais entristecem, à exceção da fêmea humana e do galo”.

Já conhecia essa frase de Galeno, mas não me lembrava dela. Talvez por me faltar tristeza nos momentos aos quais ele se refere, talvez por razões insondáveis. Dei com ela num livro que não tinha nada a ver com o coito e suas consequências e interrompi por momentos a leitura. É que a frase me pareceu curiosa.
Ela revela no autor um espírito atento a tudo que se passa na natureza e nos organismos animais, o ser humano aí incluído. Galeno, embora tivesse sólidos conhecimentos filosóficos, foi daqueles pesquisadores que se afastaram da pura especulação teórica e dedutiva, tão cara aos gregos e aos primeiros pensadores.
Foi pioneiro da observação direta, da dissecação e da vivissecção, essencial à formação médica. Como não era permitido praticar dissecação em corpos humanos, ele a executava em macacos e tirou de seus estudos ensinamentos que ainda hoje, em seu arcabouço geral, estão presentes na medicina ocidental, como, por exemplo, a hipótese de que o cérebro é o comandante dos movimentos musculares e do sistema nervoso periférico. E, entre outras contribuições, mostrou que os rins são órgãos excretores de urina.
Enfim, sem querer gastar um conhecimento que não tenho, deixo anotado apenas que ele foi um notável pesquisador.
Então, voltemos à frase. Segundo ela nos diz, Galeno observou homens e animais após o coito e constatou sua indisfarçável tristeza. Digamos que isso pode ter sido resultado de auto-observação. Após o coito Galeno se sentiria triste.
Mas há mais. Ele exclui dessa tristeza as mulheres e o galo.
Quanto às mulheres ele pode ter feito também uma observação direta. Segundo reclamação de algumas delas, os homens costumam cair no sono após o sexo, mostram-se desinteressados de tudo – muitos se limitam a perguntar formalmente se “foi bom para você?”. E não telefonam no dia seguinte, o que é um sinal lamentável, donde se pode concluir a respeito de alguma tristeza havida. Elas, ao contrário, ficam acesas após o coito.
Mas também há quem reclame que elas saltam da cama com demasiada rapidez, voltando a sua atividade preferida, falar. Em oposição, os homens são tomados, talvez pela tristeza, por um mutismo enervante, uma surdez tumular, motivo pelo qual são acusados de desligados, insensíveis a respeito de papos transcendentais. É quando elas disparam frases feitas – o mundo do amor e do sexo é feito de inúmeras frases feitas, é bom lembrar – segundo a qual “você não me ama mais”, ou, pior ainda, “você só pensa em sexo”.
Então, além de saltarem da cama elas falariam demais e sempre.
Não sei. Há controvérsias. Galeno pode ter errado nesse caso. Vai ver suas companheiras de cama tenham sido daquelas que adoram discutir a relação justo após o coito, o que é de fato uma das maneiras mais cruéis de tortura.
Nesse século XXI – ou seja, vinte séculos após Galeno – temo que as mulheres que leem essas minhas especulações desabusadas, poderão se enfurecer e encher minha caixa de e-mails com desaforos e críticas severas.
Mas quero dizer que não pretendo ofender o sexo que já foi frágil. As mulheres são adoráveis, ao contrário do que pensavam Schopenhauer, Nietzsche e tantos pensadores famosos.
O que me causa maior espanto é a referência aos galos.
Eis a razão de minha grande admiração por Galeno: constatou uma diferença entre galos e galinhas. Elas são dóceis no geral, se aquietam após o coito e, após sacudir as penas, seguem com suas atividades preferidas: ciscar o quintal em busca de algo para se alimentar. Já os galos são agitados e parecem estar prontos para nova empreitada. Aliás, parecem ainda mais afoitos e ousados, não raro saindo quintal afora em busca de nova companheira.
Temo, no entanto, que seja pura exibição festeira. O galo é dado a espalhafatos. É um grande marqueteiro, na verdade. E nem toda criatura que pertença àquilo que Galeno chama de “fêmea humana”, salta de imediato da cama e dispara a falar.
O que se deduz daí? Nada. Galeno era um cientista sério e profundo, enquanto eu, que escrevo essas linhas feitas de amenidades e ironias, sou apenas uma criatura que se diverte com palavras e conceitos. Em particular com ideias feitas e preconceitos.
Ou seja, o que fica para a história da ciência – e Galeno é um exemplo notável disso – é a experimentação. No jogo do bicho se diz que “vale o escrito”. Pois em ciência vale o que for submetido à experiência.
O mesmo se pode dizer do sexo, sendo que os que ficam tristes parecem se perguntar: era só isso?
Não é essa uma preocupação do galo, como se pode supor.




terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Post dirigido ao Prefeito Gustavo Fruet - os banheiros do Parque do Papa






Já fiz outras tentativas, todas inúteis. Dirijo-me agora diretamente ao Prefeito.
Os banheiros do Parque do Papa são imundos, sem ventilação, escorrendo umidade por todos os poros, cheiram mal, encobertos por uma das casas polonesas e por árvores. Jamais o sol os atinge.
Como frequento todos os dias o parque, já fui abordado – eu, que não tenho nada com isso – por turistas enfurecidos, inclusive por um francês e um cearense que se dirigiram a mim indignados com a falta de respeito para com os visitantes.
No dia 16 de janeiro, precisei ir ao mictório e, como já aconteceu há uns dois meses, um funcionário me cercou exigindo o pagamento prévio de R$ 1,00 para uso das instalações.
Ou seja, querem cobrar por essa imundície. O funcionário levou minha reclamação a uma senhora que se comporta na área com a prepotência de um capitão do mato, ela me olhou com desprezo e nada disse. Aliás, tal senhora já reclamou quando me viu tirando fotos no parque - também isso ela julga que deveria ser pago.
Enfim, sr. Prefeito, já publiquei aqui no blog, no dia 10 de novembro de 2013, a crônica Passeando com João Paulo II no bosque do Papa,  relatando a conversa que mantive com o próprio papa sobre essa situação. Ele me pareceu furioso. Leia minha crônica. Pode acessá-la através do link:
Havendo dúvida, basta o senhor vir ao parque – é perto da prefeitura, como sabe – para fazer um xixi no tal mictório.
Traga um lenço para proteger seu nariz.
E, espero, tome providências.




quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Algumas formas de saudade








A saudade tem várias formas e nos cerca por todos os sentidos. Algumas estão diante de nossos olhos. Aquele rosto, aquele sorriso, um gesto.
Saudades através do tato são as mais delicadas e demolidoras. Há peles inesquecíveis. Há lábios que demoram décadas, imutáveis, em nossa lembrança. Há abraços que ficam grudados em nosso corpo para sempre. Não só abraços de amadas imortais, mas o abraço de meu filho e o abraço difícil de meu pai – tão expansivo em tudo o mais e tão econômico em abraços. Como doem com o tempo!
Depois, os cheiros. Não de produtos químicos, mas de coisas e pessoas. O cheiro do café fumegando na cozinha, arte na qual minha mãe era exímia. Da fruta colhida numa árvore que debruçou um galho gentil em nossa direção. Aquele perfume que é propriedade intransferível de uma mulher esquecida há décadas, mas que súbito nos envolve no meio de uma multidão. De onde veio? Como chegou aqui? Onde ela está?
Ela não está. É agora apenas um perfume.
As vozes. Nada mais encantador do que uma voz amiga, ainda mais quando vem de longe, de outros tempos e lugares. No entanto, é uma catástrofe se perguntam ao telefone: sabe quem está falando? Muitas vezes não sabemos. Morremos de vergonha. Quando a voz revela quem é, morremos de saudade.
Onde encontrar aquelas gargalhadas no meio da madrugada? Ou o riso moleque, no sofá da sala, diante de uma brincadeira afinal inocente? Cadê?
Já não verei certas pessoas e elas me fazem falta. Onde estão meus pais? Cadê meus tios, meus avós? Onde a primeira amada? Ela na saída do colégio, fingindo não me ver e enchendo o ar com a voz alegre. O que terá disparado aquele sorriso? O que disseram a ela ou do que se lembrou? Será que não me viu?
Meus olhos sentem saudade. Gostaria de rever os olhos firmes de meu pai preocupados com o futuro do filho estabanado. Mas temo não ser fiel às lembranças. Seria assim mesmo? Foi nesse lugar? Seriam esses os olhos? Essa a cor da pele? Esse o gosto da boca?
E aquele olhar casual que trocamos, eu e uma jovem, na entrada de um teatro, enquanto eu me atrapalhava, entre tantas pernas, para chegar ao meu lugar? Foi uma fração de segundo, um lampejo, quase nada. Súbito havia apenas o encontro de nossos olhos. Passei o resto do concerto com os ouvidos atentos ao piano, mas meus olhos percorriam cada detalhe daquela jovem de cabelos negros, pele muito clara e olhos que, por um segundo, foram meus. Nunca mais a vi.
Quando passei as mãos adolescentes no corpo daquela primeira mulher que eu descobria numa madrugada luminosa à beira mar, tudo vibrava nela e em mim. Tudo ainda vibra nela e em mim, me parece.
Gosto de pão saído do forno, de churrasco na grelha, de tainha assada, de lábios róseos, a pele claríssima, o rosto iluminado. Entre os cheiros e sabores da casa, aos 13 anos, conheci a alemãzinha mais apetecível do mundo. De sabor macio e assustadiço.
O cheiro da mata. O cheiro de pássaros, coelhos, preás, pombas, peixes, árvores após a chuva, mato remexido denunciando algum animal que passara por ali. A água do rio precipitando-se sobre as pedras e se abrindo num lago onde mergulhávamos. Depois, o cheiro noturno das carícias proibidas ao final do corredor.
Assim se faz a saudade. De cheiros palpáveis, sabores indefiníveis, encontros perdidos. Coisas que acariciamos cheios de cuidados, como os primeiros lápis de cor. Barulhos, ruídos, música, a cadeira, a mesa, os paletós com braços nervosos, os quadros na parede – quem estava inclinado, eles ou a parede? – e entre as páginas de um livro abandonado no fundo de uma estante, a descoberta de uma antiga carta para sempre esquecida.
Quem me escrevia dizia sentir muitas saudades.