quinta-feira, 22 de setembro de 2016

O Trem Itabirano ronca pau na Flip, Flap, Flop, Flup...




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Vira e mexe tenho postado aqui alguma nota a respeito do jornal O Trem Itabirano, editado na mítica Itabira do poeta Carlos – pátria amada de todos nós. Não faço isso com mais frequência para não parecer aporrinhação ou assédio de fanzoca. Editado pelo jornalista Marcos Caldeira Mendonça, o jornal é daqueles que ronca o pau com acerto e galhardia.
Mas nesse número de setembro (é o 132) do jornal há uma matéria que não posso deixar passar. Trata-se de mais um texto desabusado do Fernando Jorge, escritor e jornalista conhecido, que dessa vez desanca uma das maiores picaretagens “culturais” do Brasil, a tal Flip, que o Fernando Jorge chama de Febeapá II, Festival de Besteira que Assola Paraty, homenageando o saudoso Stanislaw Ponte Preta.
Os leitores talvez se assustem, pois o jornalismo brasileiro corrente – sempre acorrentado a alguma coisa... – vive tecendo loas a eventos “culturais”, anunciando que livros em feiras formam novos leitores (ora, ora, o número de leitores de livros no Brasil despenca ano a ano), além de espetáculos explícitos de puxa-saquismo de editoras patrocinadoras, de jornalistas “culturais” que passam por críticos literários, de “escritores” e “escritoras” mais ou menos histéricos que dão pequenos shows a céu aberto etc. Toda essa gente, muito topetuda e oportunista coloca a Flip nas nuvens de olho num possível convite para a feira seguinte. O mundo literário é movido a benesses, quitutes e balangandãs, como se sabe.
Só para aperitivo. Fernando Jorge brinda assim algumas das estrelas da Flip. “Kenneth Maxwell, por exemplo, vomitou asneiras” sobre a independência do Brasil. Já “o insuportável ianque Benjamin Moser, autor de uma indigesta biografia de Clarice Lispector” deveria ter seu livro vendido como sonífero. Como Fernando Jorge escreveu um livro sobre Santos Dumont, não deixou passar incólume a patetice de atribuir ao inventor a homossexualidade. Nada disso, diz Fernando Jorge: e arrola as várias beldades que foram objeto da paixão de Santos Dumont, que não sentia tesão apenas por voar.
Sugiro que os prezados leitores desse blog leiam O Trem Itabirano deste mês, em especial a matéria sobre a tal Flip. Se não lerem O Trem, ficarão imaginando que os jornalistas e jornaleiros que hoje “divulgam cultura” no Brasil são moços e moças sabidos e bem informados que passam notícias honestas.
Mas poderão ler também uma matéria sobre Jaguar, outra sobre Drummond, outra sobre Guimarães Rosa, além de várias matérias e notas apetitosas. Basta escreverem para o endereço otremitabirano@yahoo.com.br e receberão a edição digital do jornal em seu computador. O Trem Itabirano chega rente feito pão quente.
Trata-se de uma diversão única, tal como sempre foi viajar de trem.




terça-feira, 6 de setembro de 2016

Os caminhantes




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O homem era gordo e desajeitado. Displicente, talvez, esquecido de si mesmo. Caminhava oscilando, braços largados, a cabeça perdida nas alturas a observar os pássaros, as nuvens, as árvores. Não era nem simpático nem antipático – era ele mesmo. Dava a impressão de solitário, de ser um tanto triste, mas nem assim parecia sofrer. Caminhava, apenas. Todos os dias, regularmente, exceto nos dias de chuva. No mais, fizesse frio ou calor, houvesse vento ou nuvens no céu, lá estava ele caminhando.
Como acontece entre caminhantes, os que passavam por ele, além de notarem seu porte deselegante, flagravam um ar de simpatia em seu rosto. E, como é praxe entre os que caminham, todos se cumprimentavam, distribuíam bons dias com uma oscilação de cabeça, não raro com um gesto de mão.
Assim se relacionam os caminhantes. Ninguém sabe quem é o outro, qual o seu nome, o que faz de sua vida. Mas todos sabem que caminham. Isso cria uma simpatia entre eles. Uns se cumprimentam de modo mais caloroso, outros apenas resmungam seu bom dia e seguem em frente. Estão no mesmo barco, é como se sentem. O fato é que sabem uns dos outros. Se aparece um novato no pedaço, logo percebem. É quando lhe ensinam, com alguma insistência, que o ato de dar bom dia é essencial à convivência naquele caminho. Os que entendem o espírito da coisa logo percebem como agir. Quem não entende, não tem conserto e logo abandonará o caminho, andando por outras plagas ou permanecendo jogado num sofá. Falta-lhe o espírito do caminhante. Nada a fazer.
Mas como não notar aquele homem que, gordo e desajeitado, oscilava ao caminhar e tinha um ar simpático no rosto moreno? Todos sabiam dele e foi por isso que o alarme soou quando ele sumiu por alguns dias.
De início houve apenas um espanto, mas, passada uma semana, os caminhantes começaram a se reunir, mesmo que se conhecessem apenas de bons dias, para saber o que se passara com o simpático homem gordo.
- Será que aconteceu algo com ele?
- Ando nessa trilha há três anos e ele não faltou um só dia.
- Algo aconteceu. Será que tinha alguma doença?
Um lembrou:
- Ele tossia. Não muito, mas tossia. Ouvi uma vez.
- Será que fumava?
- Pode ser.
- Pois é. Sendo fumante, com aquela gordura, já sessentão... Pode ser que...
Ficaram quietos de repente e se despediram com o compromisso de avisar caso soubessem de alguma novidade do talvez triste homem gordo. Passou-se outra semana e nada do homem aparecer.
- O que vamos fazer? Alguém sabe quem era, onde morava?
Ninguém sabia. Nem como se chamava. Partiram a investigar. Um dia alguém o vira entrando num bar, foram até lá. Explicaram: um homem gordo, balançava de lado, cara simpática. Era triste, acrescentou alguém. O dono do bar deu uma dica:
- Só se for o seu... seu... não sei o nome dele. Mora na próxima rua, a segunda casa à direita. Um dia passei por lá e ele estava na janela.
Foram em grupo ao endereço.  Quando viraram a esquina, lá estava o homem gordo regando umas plantinhas junto ao muro da casa. Desajeitado como sempre, ele oscilava e espalhava água sobre as plantas e sobre o muro.
Eles se aproximaram e o homem gordo levou um susto ao reconhecê-los.
- Bom dia! – disseram eles, quase em uníssono.
Baixou um constrangimento. Dizer o quê? Perguntar se havia morrido? Se fora parar num hospital? Tivera um AVC? Ninguém se decidia.
Até que um deles, um baixinho, se aventurou:
- Você não tem aparecido. Ficamos preocupados. Algum problema?
O homem largou o regador em cima do muro e fez um gesto pedindo que todos se aproximassem. E confidenciou, em voz baixa:
- Arrumei uma namorada.
Seu rosto brilhou e todos suspiraram aliviados. Foi quando surgiu na porta da casa uma sorridente jovem senhora de cabelos grisalhos, magra e pequenina, que fez um sinal enigmático que, segundo o gordo, significava que o café estava pronto.
Daquele dia em diante a turma dos caminhantes proibiu especulações pessimistas caso alguém sumisse do caminho. Quem sabe o sujeito fora à praia, disse um. Ou a Paris, disse outro. Ganhou na loto, emendou um terceiro. Enfim, destinos prazerosos. Afinal, eram caminhantes e a fila precisava andar.
Sem sobressaltos.