sábado, 28 de maio de 2011

Aviso aos navegantes



Por alguma razão que ignoro, a lista de seguidores evaporou do meu blog.
Vou reclamar com o Google, onde quer que ele se encontre e quem quer que ele seja.


E, para não perder a viagem, cito uma observação irônica e brilhante de Bertrand Russel, no livro No que acredito (L&PM, Pocket Plus):


"Uma certa porcentagem de crianças é dada ao hábito de pensar; uma das metas da educação é curá-las desse hábito".

terça-feira, 24 de maio de 2011

Meu pai não acreditava em bruxas


João Gomes era um descrente – ou parecia ser. Um desses descrentes que ficam no seu canto sem chatear ninguém com sua descrença, assim como há crentes que preferem cuidar de si e não importunar o próximo. Nunca o vi numa missa e só ia à igreja quando alguma obrigação decorrente dos cargos que ocupava o exigia. No máximo, frequentava as festas do Divino Espírito Santo, que na minha infância se destinavam a arrecadar fundos para a construção da igreja matriz de Blumenau, essa que hoje virou cartão postal. Eu ia junto, igualmente desligado de qualquer sentido religioso da festa, interessado apenas em dar tiros de espingarda de chumbo em patos de metal, ganhar prêmios em pescarias, em tômbolas etc. Era uma festa. Sem crenças.
Mas João tinha lá suas crenças, ou pelo menos temores. Um deles: freiras. Desenvolveu a convicção de que freira dava azar. Quando encontrava uma freira na rua, despistava, olhava para o alto, assobiava distraído, nem queria ver.
- Guri, isso dá um azar danado, me dizia ele.
E levava o temor a extremos. Um dia desceu de um ônibus levando de arrasto uma mala e um pacote enorme quando viu que duas freiras se instalavam lá no primeiro banco.
- Esse ônibus vai bater, decretou ele, e esperou pacientemente pelo próximo.
Não sei se o tal ônibus bateu ou não. Mas ele jurou que escapara por pouco.
- Se fico, nunca se sabe.
Mas era descrente. Até certo ponto, é claro. Um dia, durante a chamada revolução de 1922, sendo ele um jovem soldado de dezenove anos, se viu em meio a uma fuzilaria infernal, sem munição, sem companheiros, que sumiram na mata, e só lhe restou se esconder numa moita e fazer uma promessa a Nossa Senhora Aparecida: se saísse vivo daquele tiroteio iria em peregrinação a Aparecida do Norte agradecer pelo milagre.
Milagre ou não, saiu vivo. Suportou uma noite inteira de escuridão e de tiros que voavam de todos os lados. Na manhã seguinte, estava sujo, faminto, com dores por todo o corpo, mas vivo. Não ouvindo mais qualquer movimento de tropas pelas redondezas e sem saber se seus amigos estavam a sua frente ou as suas costas, ele se arrastou pelo meio do mato. Quando se pôs de pé, descobriu que não tinha a menor ideia de onde se encontrava. Começou a caminhar e foi rasgando a farda em espinhos, tropeçando em buracos, afundando em banhados. Até que descobriu um rio. Era pouca coisa, mas já era uma esperança. Restava descobrir em que direção haveria alguma casa. Apostou numa direção, que não sabia onde o levaria, e continuou a caminhar beirando o rio.
Andou três ou quatro dias, talvez mais. Dependia de seu estado de espírito quando me contava mais uma vez essa aventura. A caminhada durou uma semana num dia em que estava de ótimo humor e conversávamos no chamado Bar Pinguim, no centro da cidade.
O fato é que, quando já estava comendo raízes e bebendo água do rio, chegou afinal a uma fazenda. Foi recebido com muitos cuidados. Tomou banho, comeu, bebeu, um dos homens da casa foi avisar a seus companheiros de farda que ele fora encontrado.
Recebeu elogios do tenente e a promoção para sargento.
Bom, a promessa só foi cumprida uns quarenta e poucos anos depois. Viajou a Aparecida e terá entrado na Basílica, mas não sei se rezou ou se se benzeu. Aparentemente, porém, não abandonou suas descrenças, embora eu e meu irmão Orlando passássemos a chamá-lo de frei João. O que o divertia muito.
Pois foi esse mesmo homem, sem crenças e de uma doçura malandra, que um dia ficou furioso com seu sócio no jornal. Ele agora era um dos proprietários de um pequeno jornal chamado O Combate. E acabara de descobrir que o sócio, encarregado entre outras coisas da página de palavras cruzadas e de astrologia, não contratara um astrólogo, limitando-se a recortar as previsões dos jornais do Rio e São Paulo, as quais, para não parecer falsário ou plagiário, ia distribuindo para os diversos signos numa ordem aleatória. O que constava como sendo de Leão, acabava em Libra, o texto de Escorpião passava a aconselhar Virgem.
João ficou exaltado:
- Onde já se viu? bradava ele, empunhando o jornal. Enganando os leitores!
- Mas, pai... – tentei argumentar.
- Mas coisa nenhuma! Vou dar uma bronca nesse sujeito!
Li então em voz alta o que constava para o signo de Libra: “Hoje evite se irritar com superiores. O silêncio é a atitude mais recomendável”.
Ele me escutou intrigado. Perguntou:
- E daí?
- Bom, pai, isso poderia ser dito também para alguém de Áries, não acha?
Ele olhou para o jornal, olhou para mim, olhou para a porta da redação do jornal, por onde ameaçara entrar dizendo uns desaforos ao sócio, e acabou se acalmando.
- O senhor acredita em astrologia? perguntei.
- Imagina! Acreditar nessa bobagem! – e, com o sorriso malandro de sempre, me disse, ajeitando o chapéu: Mas isso não se faz!
Pois é, acreditava em algumas coisas.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Palocci - o que diria o jardineiro a respeito dos 7 milhões?


Lula, o precursor, inaugurou a fila dos que não sabiam de nada. Instituiu assim um novo procedimento jurídico, superando tudo que o direito romano e outros teriam a nos oferecer. Uma vez acusado, diga apenas: não sabia de nada. Não tenho nada com isso. É absolvição na certa.
Agora, o ministro Palocci, que em quatro anos aumentou seu patrimônio vinte vezes, ingressou na mesma escola jurídica luliana, com algum refinamento: já deu todas as explicações, nada mais tem a dizer. Foi o que, com mandíbulas tensas, disseram o presidente do PT e o ministro Gilberto Carvalho. Aliás, o sr. Gilberto, quando aluno de filosofia em Curitiba era um rapaz – então conhecido como Gilbertinho – tímido, pequenino (continua pequenino), piedoso católico de esquerda, contestador da ditadura e de mentirosos de direita. Pois ele fechou a questão de forma juridicamente (em termos de lulismo) impecável, ainda que pouco dialética: a questão está encerrada.
Ora, fico pensando o seguinte. Como pode o sr. Palocci juntar em quatro anos mais de 7 milhões de reais? Dando consultoria? Mas ele era deputado durante o período. Trata-se de um rapaz muito trabalhador? Pode ser. Mas onde e como funcionava sua empresa de consultoria? Quem eram seus funcionários? Deu consultoria a quem? Eram consultorias a respeito do que? Vejam os leitores que não é impróprio fazer essas perguntas. Sendo deputado, o sr. Palocci não pode ferir as obrigações de seu mandato. Não haverá aí um conflito ético?
É verdade. A ética. Quem se importa com a ética, não é mesmo? Só quando se é um jovem aluno de filosofia nos anos 1970. Depois, vale o espírito de corpo, a omertà, “os cumpanheiro”, os aloprados, as malas com 1,2 milhões de reais. Ou seja, vale tudo.
Em países sérios, já vimos primeiros-ministros, ministros de estado, presidentes, sem falar de deputados e senadores, perderem o mandato por escândalos menos apimentados.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Poemas da Negra


Antonio Manoel é meu irmão mais velho (só um pouco mais velho). Desses irmãos que a gente escolhe ao longo da vida. Por isso não vou elogiá-lo demasiado nesse blog, vou apenas transcrever um dos poemas de seu livro mais recente, 35 poemas ou um (novos poemas da negra)*. Os leitores perceberão que se trata de um poeta refinado, de palavras gostosas, de uma sensualidade vigorosa. Lá vai:


XXXII

Imóvel na praia extensa
te encontro de repente.
Dormes talvez, de amor deixada.

Meus olhos repousam em teu corpo:
estás como um berço.
Acorda!

Todos os fogos são em mim o fogo,
alertas soam para que despertes.
Apaga em mim os pedidos de socorro,
os gritos de arruaça, os gemidos impuros.
Faz-me esquecer o pavor do tempo
e abre os olhos para que não morra.



(*) Antonio Manoel dos Santos Silva, 35 poemas ou um (novos poemas da negra), Vitrine Literária Editora, São José do Rio Preto, 2011. Para adquirir seu exemplar escreva para: contato@vitrineliteraria.com.br

segunda-feira, 9 de maio de 2011

De abóboras e abobrinhas


Flaviana, mineira e mãe de minha neta Luiza, foi a primeira pessoa a me falar de cabotiá. Em meu estado de perpétua distração, examinei o prato a minha frente e comentei:
- Mas isso é abóbora.
- Não, explicou a Flaviana. É cabotiá.
Fiquei quieto, não me meto em polêmicas culinárias. E me servi de cabotiá. Parecia abóbora, tinha gosto de abóbora, cheiro de abóbora. Mas era cabotiá.
Na verdade, o que me intrigava era a palavra. De onde viria? Parecia vocábulo guarani e soava tão saborosa quanto aquilo que designava. Foi quando alguém acrescentou, aumentando minha confusão:
- É abóbora japonesa.
Foi tudo. O resto se deu há pouco, uns três ou quatro anos depois,
Dia desses, eu lia uma história do Japão, quando, entre análises do poderio dos tennos, dos samurais, do bakufu e da predominância do cultivo do arroz, fui surpreendido pela observação de que, antes do fechamento do país ao resto do mundo, no século XVII, navegadores ibéricos aí introduziram novas espécies de vegetais.
E acrescentou o historiador José Yamashiro: foi nesse momento que, originária da América Central, chega ao Japão, via Cambodja, a abóbora. Era a chave que eu procurava: os japoneses, ao adotarem a abóbora, aplicaram nela a denominação kabotcha, que nada mais indica do que o país a partir do qual ela chegou ao Japão: Cambodja.
Eis como um vegetal – resisto a chamar abóbora de vegetal, acho que tem jeito de fruta, mas minha opinião é um equívoco, é claro – sai da América Central, atravessa o mundo daqueles séculos distantes, chegando finalmente ao Cambodja e desembarcando no Japão, onde uma nova palavra é criada para designar a novidade.
Descobri, então, em outras fontes, que a abóbora japonesa é também conhecida por "tetsukabuto", resultado de um híbrido do cruzamento de duas espécies de abóbora:  a moranga (fêmea) e a abóbora (macho). A "família das abóboras" existe há pelo menos 10 mil anos no continente americano. Já eram utilizadas pelas civilizações Azteca, Inca e Maia.
Quando os japoneses vieram, no início do século XX, para o Brasil, a palavra fez a viagem às Américas, acompanhando por certo um saquinho de sementes que um japonês, a bordo do Kasato Maru, trouxe na mala ou no bolso. Quantos séculos foram gastos nessa caminhada? Cinco? Quatro? Seis?
Hoje é possível encontrar até mesmo discussões a respeito do nome adequado. Poderia ser abóbora cabotiá, cabotiã, caborchar, cabotcha ou cabotchã, sendo que alguns insistem em grafar a palavra com um nipônico K inicial. Assim, a transcrição do nome da chamada abóbora japonesa sempre causa polêmica, o que, segundo um estudioso, decorre do fato de não estar dicionarizada.
Mas, se não está dicionarizada, para mim está pelo menos estabelecido que deriva do nome do país através do qual chegou ao Japão. Cambodja virou nome de abóbora. É o mesmo caso acontecido com a batata-doce. Originária da América do Sul, alcança a China, passando por Ryukyu e Satsuma, motivo pelo qual se tornou conhecida como Satsuma.
Não bastassem essas razões para se perceber na trajetória dessa palavra e desse vegetal um resumo da história humana, fui surpreendido dia desses pelo retorno – o Brasil é um país condenado ao eterno-retorno das polêmicas inúteis, como sabemos – às pautas de discussões do problema das palavras estrangeiras presentes na língua que falamos. Há aqueles, puristas ortodoxos, que querem proibir por lei – ah, as leis! – o uso de palavras estrangeiras entre nós.
Pois saibam esses senhores que agora temos mais um motivo para defender a tese contrária. Se fôssemos eliminar a palavra cabotiá, estaríamos fulminando com uns quatro ou cinco séculos de história e com o trabalho milenar de astecas, maias, incas e japoneses. Seria um desastre.
Afinal, como espero ter demonstrado, de abobrinha em abobrinha sempre se pode aprender muita coisa.

domingo, 8 de maio de 2011

Falsas e inúteis polêmicas brasileiras

 
Defendo a tese de que somos governados por delinquentes. Já a repeti em vários textos, a propósito de maracutaias, mensalões, desvios da previdência, situação da saúde pública, das escolas, das estradas, da situação sanitária do país. Nenhum contraexemplo, como dizem os empiristas, fez balançar minha tese.
Acrescento agora outro princípio explicativo da baderna nacional: o Brasil é o país do eterno retorno das polêmicas inúteis.
No momento, somos novamente bombardeados por uma campanha inútil e demagógica: o desarmamento da população, apresentado como panaceia para a questão da violência. Todos sabemos que não é. Além disso, já houve um plebiscito a respeito. No entanto, retorna a polêmica inútil. Aproveitadores e populistas se reúnem, juntam-se a ministros, jornalistas, figurinhas carimbadas de Ongs – e chovem declarações patéticas, que esquecem de alertar para o seguinte: o tal desarmamento já levado a efeito não deu nenhumresultado. As pesquisas comprovam.
Eu não tenho arma – exceto as palavras com que escrevo meus textos – e nem quero ter arma. Mas não posso aceitar a mistificação de que as armas que chegam aos assaltantes e assassinos saem das mãos da população. Todos sabemos que as armas das quadrilhas e dos bandidos chegam via contrabando, em troca de drogas ou automóveis roubados etc. E são armas jamais usadas pela população: fuzis, metralhadoras, pistolas automáticas etc.
Esta polêmica inútil, que conta com a subserviência de jornalistas – em particular dos que atuam na TV ou nas rádios – retorna, no entanto, como se devesse ser levada a sério. É o Brasil.
Outra polêmica inútil: proibir palavras estrangeiras que se misturam ao português falado no Brasil. Ora, todos sabemos que estas palavras vão e vêm, viram modismos, a maior parte desaparece com o tempo, muitas vezes enriquecem nosso vocabulário e, quando inadequadas, somem. De resto, o português que falamos é uma mistura secular de português e de palavras e expressões e formas de dizer vindas de idiomas indígenas, africanos, e das línguas faladas pelos imigrantes que formaram o país: italiano, espanhol, francês, alemão, inglês – sendo que tudo isso se incorporou aos nossos dicionários. Será o caso de passar uma borracha em meio dicionário? O Aurélio e o Houaiss ficarão magrinhos.
Terceira polêmica inútil: dividir os estados brasileiros em estados menores. Os oportunistas anunciam que isso facilitará a governabilidade. Mais uma prova de que somos governados por delinquentes. Os custos de tais divisões – cujos únicos beneficiários seriam políticos venais – são altíssimos. Sustentaremos mais mais governadores e vices, mais deputados estaduais e federais, senadores, burocratas, apaniguados, cargos de confiança – tudo isso que já infelicita a administração pública brasileira.
Qualquer dia vai aparecer um deputado por aí querendo rediscutir a momentosa questão das rinhas de galo. Geraria empregos, dirá ele. Seria um lazer popular. Respeitaria nossas tradições culturais, talvez. Sabe Deus o que pode sair da cabeça de políticos delinquentes.