quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Meditações que me dito





Se eu levasse a sério tudo que se passa na minha cabeça, não levaria a sério nada do que se passa na minha cabeça.




domingo, 26 de agosto de 2012

Celulares ou A arte de jogar conversa fora





Pois eu fazia minha caminhada rumo ao Parque São Lourenço, quando à minha frente se materializou uma senhora magra e muito branca, que andava meio torta, sacudindo com energia um único braço, o esquerdo. Penalizado, achei que tinha um só braço, mas, observando melhor, vi que o outro, o direito, estava recolhido junto ao ouvido e, óbvio, segurava um celular. E a mulher magra e muito branca falava. Vestida com fatiota de esportista. Falava sem parar.
Imagino que do outro lado alguém a ouvia e também falava. Mulheres conseguem essa proeza: falam todas ao mesmo tempo e não se desentendem porque não ouvem o que as outras dizem. Ou se desentendem assim mesmo, não sei.
Em certos momentos, ela falava mais alto e, em outros, em surdina. Ao falar mais alto, acelerava o passo e me deixava alguns metros para trás. Quando abaixava a voz, diminuía as pernadas e eu quase a alcançava. Quase, porque, ao notar que alguém se aproximava, ela apressava a marcha.
Foi quando mergulhei em lembranças a respeito do telefone, esse instrumento nervoso que sempre me irritou. Quando ele era apenas um objeto pesado e negro que ficava num canto da sala e era usado nas chamadas emergências, me parecia um guardião sinistro. Para emergências. Ou em negócios sérios. Ninguém se sentia perdido no meio da rua ao perceber que não havia um telefone à mão. No máximo, pensava que precisava falar com fulano ou fulana. E telefonava mais tarde. Não raro, o motivo da conversa vencia e não se telefonava nunca mais.
Agora, não. Dia desses, almoçando, observei um casal na mesa ao lado. Ela fazia uma cara triste de esposa entediada enquanto ele resolvia como uma carga chegada de São Paulo deveria ser levada ao porto. Veio o garçom, fizeram o pedido, almoçaram e saíram – ela com seu tédio mortal, louca quem sabe para se conectar a outro marido, e ele com o celular grudado na orelha, discutindo toneladas e horários.
Noutra mesa, outro casal. Ela, ao celular, avisou que estava de passagem pela cidade, na volta talvez fizesse uma visita, enquanto que ele conversava com a senhora sua mãe, aconselhando-a a não fazer nada. Não faça nada, mamãe, repetia ele, a cada três minutos, durante os quais, suponho, a mãe desandava a falar, se é que parava quando ele falava.
E não é bisbilhotice minha. Seria impossível não ouvir o que falavam. Essa é outra das neuras produzidas pelo celular: as pessoas falam alto, sobretudo em lugares como cafés, restaurantes, salas de espera. Há uma sede insana de partilhar as conversas com todo mundo.
Confesso que eu e o Manoel Carlos Karam resistimos bravamente a ter um celular. Pelo que sei, ele nunca se rendeu. Agora, tendo o Karam se mandado para outras vidas, eu gostaria de saber o número do celular dele para conversarmos, mas me dizem que não há conexão disponível. Gostaria de explicar a ele, meio envergonhado, que só adquiri um celular depois que, numa madrugada, meu carro quebrou no meio do nada e me vi isolado do mundo, sem socorro e com dois sujeitos que surgiram da escuridão oferecendo seus préstimos.
Em outros tempos um telefone era coisa rara. Corria até uma piadinha infame: se alguém aparecia de paletó novo, um gaiato perguntava: vai telefonar para São Paulo? Telefonema interurbano envolvia uma operação de rara estratégia. E paletó.
Quando eu – aqui em Curitiba – e minha mãe – lá em Blumenau – queríamos conversar, trocávamos telegramas. Dia tal, tal hora. Lá ia eu para uma agência da telefônica e ela fazia o mesmo lá em Blumenau. Eu pedia uma ligação após preencher um papelzinho. A telefonista – voz de telefonista e sempre de mau humor – informava que não havia linha disponível, esperasse. Eu esperava. Sentava num banquinho e abria uma revista velha. Vinte minutos depois era chamado ao telefone. Mal começava a conversa, entre apitos e uivos não identificados, a linha caía. “Caiu a linha, rosnava a telefonista. Volto a ligar?” Sim, respondia eu. E lá se ficava uma hora ou mais para que eu pedisse o envio de um casaco, pois Curitiba, a fria, estava congelando, ou para que minha mãe me perguntasse se melhorara da gripe.
Nos dias que correm suponho que existam bilhões de motivos para se ficar ao telefone. Nada pode ser adiado. Tudo é imediato. Tudo é urgente. As multidões andam pela rua com o celular na orelha, às vezes com dois. Tropeçam nos passante e na paisagem. Quando não falam, passam mensagens, apertam botõezinhos.
Por isso não fiquei surpreso quando a atriz Bree Olson, revelou dia desses que seu ex-namorado, o doidão Charlie Sheen, costumava tuitar enquanto eles faziam sexo.
Fico pensando: faziam sexo? Como assim?
Bom, pode ser. Eu não entendo nada de twitter.



sábado, 18 de agosto de 2012

Meditações que me dito




Uma coisa é certa. Ninguém se interessa pelo que você se interessa a não ser que esteja interessado pelo que você se interessa.


domingo, 12 de agosto de 2012

A verdade pode ser o óbvio




É um axioma quase religioso cultivado pelos historiadores: para emergir, a verdade histórica exige que o tempo passe. Só assim, com a distância, se poderá extrair essa pérola rara. No resto do mundo pode ser assim. No Brasil, país que Tom Jobim dizia ser de ponta-cabeça, os escândalos políticos costumam ter tal claridade que, se mexermos muito, ficam turvos e escondem a verdade.
Para tanto, temos a legislação deliberadamente barroca e, depois, as tropas de advogados, os fazedores de fumaça, gerando recursos, liminares, mandados, chicanas, golpes sentimentais, rasteiras, pernadas etc. Seja para defender o deputado bêbado que dirigia criminosamente, seja para confortar quem escondeu dólares na cueca. Transformamos o direito de defesa em defesa da impunidade.
Sendo país de ponta-cabeça, o Brasil coleciona vários casos nos quais a verdade é óbvia. Haverá alguém que, sem má fé ou enorme desinformação, não saiba que houve tortura e crime durante a ditadura militar? Mortes, perseguições, torturas, banimentos, demissões injustas. E é claro que os generais sabiam de tudo e assinavam em baixo. No entanto, houve tempo em que nem se podia falar nisso. Agora, há uma Comissão da Verdade pretendendo extrair a fórceps a tal verdade. Que todos conhecemos, é óbvio.
No mensalão, ocorre o mesmo. Todos sabemos o que houve. Desde a propina entregue a um dirigente dos Correios até os dólares viajando em aviões e invólucros suspeitos. O mesmo ocorre, em caso recente, que pretendia fazer fumaça sobre o Mensalão, com essa lamentável criatura chamada Cachoeira. Sabemos dele tanto quanto sabíamos das trapalhadas de Collor e das bandalheiras de seu assecla, PC Farias. Houve desvio de dinheiro público, compra de votos, formação de quadrilha, corrupção de parlamentares, prepotência, sede de poder.
No entanto, os fazedores de fumaça buscam encobrir tudo. O que me preocupa. Lembrando o conto célebre, observo que, quanto aos quarenta ladrões, o relato do procurador geral da República, Roberto Gurgel, foi preciso e brilhante. Mas eu pergunto: e o Ali Babá? Cadê o Ali Babá?
Num romance policial magnífico – O homem que foi sexta-feira – Chesterton, o escritor inglês, mostra como tudo se complica no curso de uma investigação, mas, ao final, a verdade vence, porque “Deus se esconde no óbvio”. É uma crença generosa.
Por isso proponho aos leitores um teste de futurologia. Em algum lugar do futuro – no ano de 2112, digamos – um historiador publicará um livro chamado, Redescobrindo a Verdade do Mensalão – cem anos passados (Edição Gráfica do Senado/ABL, 589 páginas, capa dura), obra que conclui com as seguintes palavras:
“Nossas pesquisas nos levaram a rever o Mensalão a partir de documentos nunca antes compulsados na história desse país, os quais revelam que o então presidente Lula não sabia de nada, pois se mostrou indignado e atônito quando o caso veio à baila. Ele desconhecia qualquer formação de quadrilha – denominação açodadamente usada pelo representante do Ministério Público, Roberto Gurgel – pela simples razão de que não havia quadrilha alguma formada ou em formação. O ínclito senhor José Dirceu, injustamente indiciado, não só era um homem reto e probo como, garantem os documentos ora encontrados, era um democrata sem ambições políticas. Os demais acusados também agiram limpamente. Um deles era cantor de ópera. A diretora de um banco era apenas uma bailarina frustrada. Outra acusada, nas palavras de um advogado, era uma mequetrefe. O tesoureiro era muito zeloso. Não subornaram, não compraram votos, não trocaram favores, não forjaram empréstimos bancários, não lavaram dinheiro e nem levantaram falsos testemunhos. Nesse restabelecimento da Verdade também cumpre registrar, cem anos depois, em paralelo ao caso Mensalão, que o senhor Paulo Maluf, ao contrário da boataria, não tinha conta bancária alguma em paraísos fiscais. E o senhor Carlos Augusto Ramos (dito Cachoeira), ao invés de ser um contraventor do jogo do bicho, na verdade apenas divertia os amigos nos finais de semana com um bingo inocente jogado na garagem de sua modesta residência, distribuindo brindes aos vencedores. Eis como a História levou cem anos para encontrar os documentos comprobatórios, restabelecendo a Verdade sobre o Mensalão e arredores.”
Essas seriam as palavras do futuro historiador. Com cem anos de distanciamento, o leitor acha que são plausíveis?

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Mais cotas e menos juízo, os males do Brasil são.




Terça-feira passada, dia 7, o Senado aprovou a chamada Lei das Cotas. Trata-se não apenas de cotas raciais, mas de reservar 50% das vagas em universidades federais para alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas. Uma parte dessas vagas deverá ser dedicada a negros, pardos e índios, segundo distribuição a ser fixada pelo IBGE. Outra, a alunos com renda familiar igual ou menor a 1,5 salário mínimo per capita.
Decretam tal medida alegando que dão oportunidade aos menos favorecidos para que alcancem a universidade.
As cotas raciais já dão margem a muitas discussões. Essas cotas agora aprovadas produzirão mais confusão, imagino, e servem à demagogia. Colocadas de pé por uma simples canetada legislativa.
Pois a questão é outra, trate-se de cotas raciais ou não.
O grande problema é o seguinte: alguém tem notícia de alguma medida, de algum estudo, de algum plano governamental, de algum projeto do ministério da Educação, que esteja sendo pensado e colocado em prática para a efetiva melhoria do ensino médio público? Alguém tem notícia de como se pensa recuperar as condições de trabalho, a formação e os salários dos professores? O que será feito para que as escolas saiam do estado de abandono em que estão? Que grupo está discutindo, com a sociedade e os educadores, quais as medidas e métodos pedagógicos que serão aplicados para a melhoria do ensino médio?
Não. Nada se faz quanto a isso. Como é fácil e de forte impacto dar uma canetada, o Senado aprova essa nova lei aparentemente benéfica aos desfavorecidos.
É a mesma farsa que rege o bolsa-família. Não há dúvida de que milhares de famílias precisam de ajuda para sobreviver aos seus parcos recursos nos tempos que correm. Mas eu pergunto: o que se faz para que eles tenham melhor formação profissional, oportunidades de trabalho adequadas às diversas regiões do país, e melhor distribuição de renda, o que eliminaria a necessidade de viveram à custa de bolsas e sob o jugo de dirigentes que desejam em troca popularidade imediata e votos nas próximas eleições? Estão apenas ampliando o curral eleitoral.
São as medidas toscas e mal intencionadas do governo brasileiro e de seus parlamentares. Deixa felizes os incautos e os mal intencionados. Faz tanto sentido quanto o arroto de política econômica que Lula e Dilma propalam: consumam. Até quando? Até onde? Consumindo o que? O nível de inadimplência, a questão da energia e da produção, da infraestrutura nacional, já estão anunciando que poderemos chegar a um limite incontornável.
Mas rende votos e índices de popularidade. Então, haja fuzarca. E um índice inegável da fuzarca é que o sujeito tido como Ministro da Educação, Aloizio Mercadante – que não consegue negociar decentemente com os professores universitários – optou por não comentar nada sobre a lei das cotas agora aprovada. O tipo, responsável pela educação nacional, não tem nada a dizer.
Claro, os reitores ficaram descontentes e a Dilma ficou satisfeita.
É o Brasil.



sexta-feira, 3 de agosto de 2012

E o Ali Babá?



Quanto aos quarenta ladrões, o relato do procurador geral da República, Roberto Gurgel, foi preciso e brilhante.

Mas eu pergunto: e o Ali Babá?

Cadê o Ali Babá?