segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Tragédia em Santa Maria. Onde será a próxima?




A Arena da Baixada fora inaugurada há alguns meses e, naquele dia, fui com um amigo de São Paulo assistir a um jogo; ele desejava conhecer o estádio. Ao sairmos, notei que ele olhava de um lado para outro, em silêncio. Quando alcançamos a rua, comentou:
- Quem projetou esse estádio apostou que nunca irá acontecer aqui uma situação de pânico.
Eu, ainda inebriado com a nova Baixada, me dei conta então do óbvio. As saídas eram estreitas, as escadas muito inclinadas e cheias de voltas e, na medida em que nos aproximávamos da saída, a passarela se estreitava como um funil. Chegamos à rua empurrados por uma multidão comprimida nas dimensões de um portão de garagem. Houvesse um fogo às nossas costas... 
Bom, estão reformando a Arena para a Copa; espero que esses erros sejam corrigidos.
Foi disso que lembrei quando ocorreu essa tragédia na boate de Santa Maria. O óbvio é o seguinte: os erros dessas construções que se destinam a abrigar multidões costumam estar já nos projetos.
Agora, duzentos e trinta e tantos mortos depois, as chamadas autoridades se agitam, ameaçam tomar providências, anunciam investigações, lamentam os mortos e feridos, comovem-se com o sofrimento das famílias das vítimas.
Ocorre que agora é tarde. O desastre está consumado.
As portas de emergência deveriam estar no projeto – e deveriam ter sido executadas; os recursos contra incêndio deveriam ter sido previstos. Saídas de ar e fumaça também. Também deveriam estar lá as indicações das saídas em caso de acidente, com iluminação de emergência. E aquilo que se chama de “segurança”, não deveria se limitar à presença de alguns brucutus que julgam seu dever distribuir porradas em quem quiser escapar sem pagar. A “segurança” deveria ser a segurança dos frequentadores, antes de mais nada.
Ora, se algo estava no projeto e não foi executado, pior ainda. Faltou aos bombeiros indicar as falhas e fechar casa. Isso não foi feito.
Por outro lado, soltar fogos dentro de um ambiente fechado no qual há material altamente combustível e muita eletricidade circulando, não é coisa que se faça. Dizem que há legislação que proíbe. Não importa. O bom senso proíbe, e basta. Ou deveria bastar.
É triste dizer isso numa hora dessas, mas os frequentadores desses ambientes deviam ter também consciência de onde estão se metendo. Acho que isso tem a ver com a falta de noção de seus direitos que é típica dos brasileiros. Se a casa comporta mil frequentadores, não entre em show onde estão comprimidos mil e quinhentos. Se não há saídas de emergência, caia fora. É assim que acontecem esses acidentes frequentes, por exemplo, em rios da Amazônia: o barco é para trinta passageiros, colocam nele sessenta e tantos. É fatal: vai afundar. Há ganância e irresponsabilidade do dono do barco, mas imprudência e falta de juízo por parte de quem embarca. E omissão criminosa das autoridades que cuidam da navegação.
Em suma, é preciso ter claro que estamos diante de situações de risco que exigem medidas preventivas. De nada adianta lamentar depois do ocorrido, pois será tarde.
A questão é a seguinte: onde estavam as “autoridades” quando foi feito o projeto, quando o projeto foi executado, quando se liberou o alvará, quando não se fechou a casa, quando o show foi autorizado, quando se aceitou que, ao invés de mil, entrassem mil e quinhentas pessoas naquele lugar?
Portanto, por mais triste e sofrido que seja o momento atual, já é hora de deixarmos de lado o simples lamento diante do desastre. É preciso saber quem errou e – coisa difícil no Brasil – punir quem errou. E, depois, tomar medidas preventivas que possam, senão impedir, ao menos amenizar as consequências de um desastre.
O que eu não aguento mais é a repetição irresponsável de que se tratou de uma “fatalidade”, como se isso desculpasse todos os erros. Nada disso é fatal. É previsível, portanto controlável em seus efeitos nocivos.
São grandes desastres, é certo, mas o que os torna uma “fatalidade” é a incompetência, a omissão, a ganância e o oportunismo de alguns empresários e das chamadas “autoridades competentes”.



domingo, 27 de janeiro de 2013

De ventos, tempestades e mulheres


Foto de Lu Berlese da série A mulher do tempo


As mulheres me pareciam criaturas demasiado inquietas e assustadiças. Segundo meu olhar de menino, estavam sempre agitadas, sobrecarregadas a varrer, limpar, cozinhar, tagarelar com as vizinhas, cheias de ansiedades e preocupações. E falando sempre e muito.
Em oposição, eu via meu pai quieto e concentrado, dobrado sobre seus papéis. Numa fase da vida ele foi jornalista e escrevia para os jornais nos quais trabalhava, noutra fase conferia montanhas de notas fiscais de uma campanha da época, chamada Seu talão vale um milhão. Era então funcionário da fazenda estadual e tinha por função conferir se alguma empresa não cometia algum trambique.
É claro que meu pai muitas vezes se agitava, sobretudo ao encontrar amigos e comentar com eles seus temas favoritos, a política, as intrigas da situação e da oposição – ele ora estava numa, ora noutra, nunca entendi muito bem como isso funcionava. No entanto, na maior parte do tempo estava quieto na escrivaninha, curvado, escrevendo, conferindo.
Já as mulheres, entre elas minha mãe, não paravam quietas.
Uma das preocupações dela e de suas amigas era com o tempo.
- Dona Ondina! - gritava uma vizinha chamada Marlene, uma professora de educação física que tinha um rosto feíssimo e um corpo esplendoroso, o que me deixava duplamente estarrecido.
Minha mãe abria a janela:
- Diga, Marlene.
- Será que vai chover, dona Ondina?
Aí começava o ritual. Minha mãe, como todas elas faziam, rodava o olhar pelo céu e matutava um diagnóstico das possibilidades de temporal.
- Tá com cara, dizia ela.
- Aí, meu Deus, gemia Marlene, enquanto eu olhava para o corpo esplendoroso, evitando o rosto feíssimo – acho que nem coloco a roupa no varal.
Minha mãe lembrava:
- Já perguntou pra Rita?
A Rita era tida como especialista. Quando perguntavam a ela a respeito do tempo, fechava a cara sisuda de alemã, cruzava os braços e investigava as quatro direções da rosa dos ventos. Levava nisso alguns instantes, balançava a cabeça e decretava:
- Vai chover. Não dá uma hora.
- Ai minha nossa! – era Marlene, sempre aflita – O que faço da minha roupa?
Dona Rita, como se vê, era capaz de alcançar, lá longe no horizonte, uma nuvem mais escura que, segundo os ventos da hora, iria crescer e desabar sobre a cidade como temporal. Tão precisa era nisso que passava a impressão de que suas previsões governavam o tempo: ao serem flagradas por ela, as nuvens faziam o que dona Rita decretava e, fosse o caso, despencavam um aguaceiro.
Eis o que eu não entendia, além da beleza de corpo e da feiura de rosto da Marlene. Aliás, a beleza eu entendia, não entendia a feiura. Eu pegava meus carrinhos, meus soldadinhos e ia brincar nos fundos do quintal, com uma pergunta na cabeça: por que diabos aquelas mulheres viviam aflitas a respeito do tempo, da chuva, dos ventos, da roupa a secar? Não tinham mais o que fazer?
Claro, foi preciso algumas décadas para que eu, agora morando sozinho e tendo que cuidar de mim e de minhas roupas, pudesse me flagrar atento aos movimentos das nuvens, sua densidade e coloração, os ventos que as conduzem, matutando se devo ou não colocar a roupa no varal. E perguntando:
- Será que chove?
Não posso esticar o pescoço e perguntar a nenhuma dona Rita se vai ou não chover. A janela mais próxima fica no outro lado da rua, em outro edifício, e lá, pelo que sei, não há nenhuma Rita sabedora de ventos e tempestades. Estou sozinho nessa tarefa meteorológica. No entanto, agora entendo porque meu pai podia ficar quieto e concentrado diante da escrivaninha enquanto as mulheres se agitavam a troco de nada.




quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O silêncio cínico a favor de Renan Calheiros


Jânio de Freitas, uma voz a ser ouvida

Publiquei aqui - no dia 21 de janeiro passado - um texto sobre a ameaça que representa a candidatura de Renan Calheiros à presidência do Senado. Será, a meu ver, a vitória do cinismo e do deboche. O achincalhe da República.

No entanto, acompanhando pela imprensa, não se vê ou ouve reações a tal candidatura, salvo manifestações promovidas por Cristovam Buarque (PDT), Pedro Taques (PDT), Randolfe Rodrigues (PSOL) e o peemedebista Jarbas Vasconcelos. Mas, infelizmente, estão lembrando um exército de Brancaleone e, segundo circula em Brasília, esse grupo já desistiu de lançar uma candidatura contra Renan e se confessa derrotado pela tropa governista e da "base", que apoia o retorno de Renan.

Fora, portanto, algumas vozes de protesto, o silêncio em torno da questão é ensurdecedor.

Não é diferente na chamada grande imprensa - seja ela a chapa branca, financiada e que diz sim ao governo, seja ela da turma que se diz do contra. Um grande silêncio.

Hoje, aliviado, encontro o artigo do digno jornalista, sempre brilhante e competente, Jânio de Freitas, que ergue sua voz contra essa malfeitoria na qual estão implicados senadores e dirigentes do país. É uma voz respeitável, que o país deveria ouvir. Transcrevo o parágrafo final do artigo:

"Não é preciso refletir muito para admitir que os renans de todos os calibres têm razão. Se fazem o que fazem, são o que são, e têm êxito, aí está a evidência de contarem com consentimento amplo, geral e irrestrito. A indiferença e o silêncio que os acompanham são formas de aprovação. Ou de aplauso, mesmo."

Não há dúvida. É a omissão, o cinismo e o silêncio que matam a democracia brasileira. O pacto dos covardes.

Quem quiser ler a íntegra do texto de Jânio de Freitas, clique aqui



segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Renan Calheiros – a total falta de vergonha



 


Mal conseguimos espanar um pouco da poeira e da sujeirada que nos cobriu ao longo de todo o episódio do mensalão – ao final do qual imaginávamos que a era da falta de vergonha na cara iria aos poucos desaparecer – estamos sob a ameaça de outra afronta à consciência política em nosso pobre brasilzinho. Vem aí a candidatura de Renan Calheiros à presidência do Senado, apoiada pelos “partidos da base”, ou seja, apoiado também pelo “partido do alto”, do qual faz parte a presidente do país e um certo ex-presidente que se faz de morto. Pode estar morto, mas é muito vivo.
Trata-se, portanto, de mais uma bofetada em nossa cara, uma afronta ao Poder Judiciário – afinal o senador em questão está rodeado de processos. Além disso, é uma figura desagradável e menor, dessas que envergonhariam qualquer país decente.
Imaginem, portanto, o vexame a que seremos submetidos quando a presidente for à Europa fazer compras e o Vice pegar uma gripe – seremos obrigados a ver na presidência o tal senador.
É verdade que ele irá substituir o notório José Sarney, o que, convenhamos, é trocar seis por meia dúzia.
Os franceses, que já foram idolatrados em terras brasileiras, costumam repetir um refrão no qual acreditam piamente: “O ridículo mata”.
Infelizmente, ao contrário da crença francesa, o ridículo não mata. Se matasse, teríamos uma mortandade em massa nas altas esferas do poder, mortandade diante da qual a maioria dos brasileiros se colocaria de pé para aplaudir.



domingo, 13 de janeiro de 2013

O nada, o abismo e as palavras




Para sermos dramáticos, poderíamos dizer que escrever é enfrentar um abismo.
Insisto que a frase acima me veio assim, do nada e sem controle, como costumam vir os abismos. Não pensava nela, não pensava em nada, e ela surgiu por conta própria.
Mas por que abismo? Não será uma banalidade tal frase?
No tempo das máquinas de escrever, o abismo era a folha em branco. Diante dela, o pânico. Hoje, o papel só aparece mais tarde, quando imaginamos que tudo está escrito. Ao escrever, estamos diante de uma tela em branco, que brilha e cansa os olhos e fere a alma.
Quando havia o papel e as coisas não iam bem, havia o recurso de rasgar dramaticamente a folha, jogá-la no lixo, pois, ao contrário do que se esperava, só se escrevera banalidades. O gesto dramático já não é possível. Se o que escrevemos nos parece banal, podemos apagar tudo acionando uma só tecla neutra e fria. É pouco para liberar a frustração que nos assalta.
Mas nem tudo é desastre. Na tela em branco podemos reescrever sem fim, corrigir sem deixar traços. Lá pelos meados dos anos 1990, recebi uma revista acadêmica editada por professores de literatura. Lá estavam ensaios cheios de sapiência a respeito de como estudar as sucessivas versões de um texto literário. Como o escritor começou, por onde prosseguiu ou se perdeu, o que emendou, cortou, reescreveu. Eu mesmo, nos tempos da datilografia, inventei a teoria do lápis assassino. Tratava-se do seguinte: uma vez escrita a primeira versão, vinha a etapa do lápis assassino. Vermelho. Cortar sem piedade. Suprimir o acessório, o excesso, o que ficou torto na página e desafinou. Pois os doutos acadêmicos imaginaram várias estratégias para o estudo das etapas de um escrito, que seria um palimpsesto formado por folhas de papiro reutilizadas sobre as quais os escribas escreviam, apagavam, escreviam de novo, acumulando camadas de texto.
Com o advento do computador tais acadêmicos ficaram sem ter o que fazer. Os textos anteriores deixaram de existir. Ou melhor, refugiaram-se numa existência virtual, na memória do escritor, que no entanto os rejeitou, e na memória do micro, em algum backup que sumirá a cada gravação. Já não é possível, como o era diante de um original de Graciliano Ramos, perseguir os caminhos e as hesitações do escritor.
Na época me ocorreu que aquele exercício acadêmico seria inútil, pois a única coisa que importa é o último texto, nada mais. O resto se perde para sempre, volatilizado, verbo adequado àquilo que hoje existe em forma de bites. Basta a seleção de um trecho e um golpe na tecla delete para que tudo se desfaça.
Mas não será melhor assim? De que servem as versões anteriores de um texto além de permitir exercícios acadêmicos que, afinal, não levam a nada, como tantos exercícios acadêmicos. Afinal, o que interessa é o texto editado, publicado de alguma forma ou entregue a alguém, em qualquer meio, para ser lido. Aquele é o texto, o resto não importa. Foi deletado.
Aliás, muito se falou a respeito desta palavrinha que dizem vinda do inglês, mas que tem raízes latinas. Certa ocasião, um revisor insistiu comigo que não havia tradução para ela. Pois há. A tradução é simplesmente apagar. Mas, com o predomínio da língua inglesa através da informática, ela nos pareceu mais sintética e exata. Pegou. Havíamos esquecido que em português existe delir, verbinho deixado ao abandono por todos nós, mas que significa o mesmo – apagar – tendo a mesma raiz de delete e do já aportuguesado deletar.
Pois agora, diante da claridade cruel da tela do notebook, temos o abismo. Uma espécie de não-texto. O nada. Mas não é isso que nos causa pavor. O pavor existe até o segundo anterior à primeira palavra que colocamos na tela. Sabemos que, uma vez escrita, já não há o que fazer. Teremos que seguir em busca da última palavra ou estaremos perdidos.
O diabo é que nunca sabemos que palavra colocar naquele vazio. Eis o abismo: poderemos fracassar. Jamais chegaremos a esta palavra. Descobriremos que não é a palavra perfeita. Será uma palavra qualquer, convertendo o que foi escrito em um texto banal, não naquele que compensaria a solidão desta noite de quarta-feira gasta diante de um teclado e de uma tela.
Sim, é quarta-feira, mas poderia ser outro dia qualquer. Um dia no qual, mantendo o exagerado ímpeto dramático, enfrentamos o nada: a claridade da tela que nos coloca à beira do abismo.




sábado, 5 de janeiro de 2013

Música clássica é para todos



Agradeço a meu amigo André Ambrosio a indicação do link desse vídeo, que repasso a todos que acessam meu blog.

Trata-se de uma conversa com um maestro, Benjamin Zander, que, ao explicar um prelúdio de Chopin, não apenas torna claro o que Chopin tinha em mente como emociona a quem o ouve - o que provavelmente é a mesma coisa.

Não deixe de assistir. Uma lição de música. De sensibilidade. De simplicidade.

Você vai saber duas coisas. A música clássica é para todos. E o brilho no olhar de quem ouve é o que importa.

Clique. Veja. Ouça. E emocione-se.

http://video-subtitle.tedcdn.com/talk/podcast/2008/None/BenjaminZander_2008-480p-pt-br.mp4