sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Aos corruptos, a porta da rua. Lição que vem do Paraguai.



No dia 21 /11, jovens paraguaios protestam contra proteção a corruptos.


Um dos personagens é um senador do Paraguai, do Partido Colorado. Chama-se Óscar Gonzales Daher. Ele entrou no restaurante Bolsi acompanhado de uma mulher. Os dois ocuparam uma das mesas do restaurante, mas não foram atendidos. Um garçom se aproximou e comunicou que eles não eram bem vindos, pois naquele ambiente não eram bem vindos políticos que estivessem pretendendo acobertar corruptos.
E o garçom pediu que se retirassem.
Diante disso, e abaixo de vaias dos frequentadores e gritos de “fuera de acá, ladrón”, os dois tiveram que se retirar.
Vejam que bela lição nos vem do Paraguai e como a onda (mundial) de intolerância com corruptos e corruptores, vem crescendo em todos os lugares. Nas ruas, os jovens paraguaios estão desfilando com cartazes que dizem:
“Si no hay justicia para el pueblo que no haya paz para el gobierno.”
Que maravilha de lema. Perfeito. Que os manifestantes brasileiros usem mais essa arma. Seja nos aeroportos, nas ruas, nas lojas, nos restaurantes, nos shoppings, em prédio públicos, deixem claro – sem quebrar uma só vidraça – que esses tipos não são bem vindos. Que saiam. Já estouraram com os limites da paciência da população.
Por outro lado, uma paraguaia que quase foi miss e é conhecida como a “babá de ouro” de Bogado, recebe, por serviços ignorados e não sabidos, o equivalente a R$ 2,5 ou R$ 4 mil reais. Os senadores manobram e esbravejam que são inocentes e vítimas de perseguição política. Já vimos esse filme antes. Aliás, continuamos vendo.
Hoje, 29 de novembro de 2013, o jornal ABC Color, deu como manchete: “El momento de desafuero de Víctor Bogado” seguido do texto: “La Cámara de Senadores desaforó ayer jueves a uno de sus integrantes, el colorado Victor Bogado, para que sea investigado por la millonaria doble remuneración de Gabriela Quintana, la niñera de oro.”  Ou seja, está aberto o caminho para que sejam feitas investigações sobre a corrupção havida e para o possível impeachment.
Há duas semanas, no entanto, os senadores haviam votado pela não aceitação da licença para a investigação de Bogado. O que fez com que a ira popular subisse o tom e gerasse essa situação inusitada e eficaz: bares, restaurantes, cinemas, proibiram a entrada de senadores que protegem casos de nepotismo. O mesmo acontece em postos de gasolina e de comércio.
"Não se trata só do repúdio a um caso concreto de corrupção, mas à percepção que os políticos podem delinquir com total impunidade", declarou María Cristina Dulce, gerente do restaurante Lido, que tem 60 anos de história e fica a poucos metros do Congresso.
Num país - tal como o Brasil, aliás – onde as hordas políticas sempre levaram a população em cabresto curto, eis uma boa forma de lutar contra os descalabros com a tal “coisa pública”, que deveria receber desses tipos todos os cuidados e não a cobiça de aves de rapina. E o segredo é apenas esse: deixar claro que chega. Expor essa gente à execração pública.
“Fuera de acá, ladrón!”





domingo, 24 de novembro de 2013

Um revólver e um punhal na jugular


Jorge Luis Borges e um punhal.
JORGE LUÍS BORGES SEGURANDO O PUNHAL



Ela ligou apavorada, dizendo que estava chegando. Márcio mal desligou o celular, ouviu a freada do velho Karman-Ghia de Isabela. Se ele não abrisse a porta a tempo, ela teria derrubado a parede.
- Que aconteceu, Isabela?!
- Ele sabe de tudo!
- Ele?
- Antenor. Sabe de tudo.
- Tudo, o quê?
- Sobre nós dois, ora! Tudo.
- Mas o que há entre nós dois?
- Tudo.
- Mas tudo o quê, criatura?
- Que nós nos encontramos, que conversamos. Que temos um caso.
- Mas... por favor, Isabela! Nós não temos caso nenhum.
- Não é o que ele pensa. E eu assinei uma confissão.
- Assinou dizendo o quê?
- Tudo.
Márcio se desesperou:
- Pare com isso de tudo, tudo! Não há nada entre nós... A gente... só... a gente...
- Tá vendo? Só... Isso é tudo. Um caso.
- Mas como assinou uma confissão dessas?
- Você já teve um revólver apontado para o seu peito e um punhal na jugular?
Márcio levou a mão ao pescoço:
- Claro que não!
- Pois é. Um revólver e um punhal. Tinha que assinar.
Márcio jogou-se na poltrona e, quando olhou na direção de Isabela, ela já havia sumido porta afora. O Karman-Ghia roncou furioso e partiu. Antes, ela gritou:
- Ele está vindo! Cuidado!
Márcio procurou um cigarro, um isqueiro, não achou nenhum dos dois. Quando se levantou para ir ao quarto, lá estava ele, Antenor, na porta. Um punhal na mão esquerda, um revólver na mão direita.
- Que é isso?!  - perguntou Márcio, achando que exagerava na retórica.
Antenor avançou, apontando a arma para ele, e ordenou:
- Assina aqui.
- Posso ler?
- Primeiro assina. - Antenor encostou o punhal na sua jugular.
- Mas eu quero...
- Sem perguntas.
As mãos de Márcio tremiam, mas conseguiu ler parte da confissão de encontros, noitadas e farras com Isabela. Antenor lhe estendeu uma esferográfica.
- Você sabe que nada disso é verdade, Antenor.
- Assina.
Assinou e devolveu o papel a Antenor, que guardou o punhal, mas manteve o revólver apontado em sua direção. Antes de sumir porta afora, se desculpou:
- Desculpe-me o mau jeito. E agradeço pelo... favor.
O divórcio saiu rápido. Isabela foi morar com a mãe. Márcio volta e meia passa a mão no pescoço. Antenor casou com Margarida, que acabara de entrar na história.



terça-feira, 19 de novembro de 2013

Língua e Literatura só com prazer




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Um menino de ginásio, lá pelos anos 1950, podia ser assombrado de diversas formas. Para mim, a assombração assumia a forma muito concreta de um nordestino baixote e forte, rabugento e exigente, tido como um sábio da língua portuguesa nos limites municipais de Blumenau. Era o professor Salles, que se obstinava em nos desasnar com doses potentes de análise sintática – sem esquecer as “funções do pronome que”, sobre as quais ele havia produzido um alentado volume de noventa e tantas páginas que éramos obrigados a decifrar e ter na ponta da língua. Com o tempo, graças aos céus, esqueci tudo.
Lembro-me dele diante do quadro-negro – na época os quadros eram realmente negros como era negra minha angústia diante das questões gramaticais. Vejo-o a caminhar de um lado para outro, munido de giz e voz de baixo profundo. Escreve uma longa frase retirada de Camões, Vieira ou Euclides. Depois, tomado de súbita fúria, ele a secciona em pedaços, separando substantivos, verbos, complementos e os temíveis objetos diretos e indiretos. E segue nos massacrando com sua sabedoria enquanto eu desenho.
Apenas desenho. Lembro que eu me perguntava: por que fico desenhando, por que não presto atenção, por que não tento entender? Eu não entendia, eis tudo. Ou melhor: eu não queria entender. Aquilo me parecia um tormento. Só dedico atenção aos desenhos que faço. Vou traçando caricaturas de meus colegas de classe nas folhas de um pequeno bloco e as distribuo para a carteira ao lado – e elas passam de mão em mão. Agora rabisco o professor Salles numa pose característica, a mão esquerda apoiada na mesa e o giz, fisgado pelo indicado e o polegar em pinça, explicando como distinguir orações coordenadas e subordinadas. Não estou entendendo nada. O desenho fica ótimo e me sinto feliz. Meus colegas acabam provocando um tumulto na sala por conta da caricatura que fiz. Todos se atiram sobre o desenho, que vai de mão em mão, e riem muito.
- Gomes! – a voz de baixo profundo enregelou a todos.
Na germânica Blumenau daqueles anos, éramos um sobrenome. Como se fôssemos sargentos. Fui pego.
Fico de pé, catapultado pelo dedo indicador do professor Salles, que me fulmina:
- Venha ao quadro!
Fui ao quadro e o desastre foi absoluto. Depois de não encontrar objeto algum, direto ou indireto, e de trocar uma coordenação por uma subordinação, levei um sermão demolidor diante dos colegas. Além de bagunceiro, fui chamado de displicente, irreverente, causador de badernas e, por ignorar a análise sintática, fui estigmatizado como uma ameaça ao futuro da língua portuguesa.
Nessa época eu começara a ler muito. Revistas que meu pai assinava, jornais que meu pai dirigia como jornalista, livros que ganhei de presente de meu irmão, livros da biblioteca de meu pai – além dos contos que eram publicados nas revistas de moda que minha mãe, costureira, colecionava. Esses contos me encantavam de modo especial, pois vinham acompanhados de ilustrações magníficas, que eu analisava em detalhes, como se as estivesse redesenhando. Desde os 11 anos, se ninguém me chateava o juízo, eu me enroscava numa poltrona e lia. E admirava desenhos. Degustava textos, saboreava desenhos. Como era feita aquela perspectiva, a montanha ao fundo, a árvore, a casinha distante? Como era aquele diálogo que fechava o conto e que me surpreendia? Como era traçado o nariz do personagem malvado do conto, carregando óculos redondos? E como era bela a moça do conto, descrita em quatro ou cinco palavras apenas! Passava horas lendo.
Minha mãe não entendia. Como aquele menino que lia tanto, volta e meia aparecia em casa com um termo na caderneta escolar? Termo, explico, era como se chamava uma bronca escrita pelo professor ou pelo diretor do colégio, espinafrando minhas desatenções, bagunças, preguiça, brigas no recreio, notas baixas em português.
Com o tempo, encontrei um jeito de me livrar das notas baixas. Descobri que, nas provas, a redação valia 60 pontos, enquanto que as questões gramaticais valiam 40. Ora, 50 era nota suficiente para passar de ano. Então, caprichava nas redações. Lembrava a moça do conto, das cinco palavras mágicas, do livro que estava lendo, lascava uma redação cheia de truques e, golpe final, alguma surpresa desconcertante na última linha. O fecho. O fecho era tudo.
A nota da redação, somada a uns trocados obtidos nas questões gramaticais, me salvavam. Pensei que esse arranjo fosse agradar ao professor Salles, afinal ele vivia elogiando, como se fossem deuses do Olimpo, os escritores que eram capazes de contar histórias, comover, expor, dissertar, descrever, narrar. Qual o que!
Ele me devolvia a prova com a nota 60 no topo e me olhava feroz, enquanto seus lábios grossos balançavam ameaçadoramente o charuto exclamativo:
- Gomes, já é hora de tomar juízo!
Nunca tomei juízo. Era o meu fecho, acho.
Mudei de colégio, mas não de tormento. É bem verdade que o novo professor de português era mais simpático. Mas fumava os mesmos charutos fedidos e era implacável com gafes gramaticais. Tratava-se de um franciscano pequenino, alegre, de cabecinha redonda e cuja careca era rodeada por uma coroa de cabelos brancos que ele repuxava com ódio a cada crime gramatical que cometíamos. Chamava-se frei Odorico Durieux. Não escrevera livro algum, mas desenvolvera uma história fantasiosa, que envolvia dois boizinhos e uma carroça. Conforme se colocava uma corda de um chifre a outro chifre dos boizinhos, ou do boizinho à carroça, tínhamos uma oração coordenada ou subordinada, ou algo assim, não me peçam para explicar, jamais entendi.
Anos depois frei Odorico, que era sem dúvidas um tipo admirável, se tornou meu amigo e eu o coloquei como personagem de um romance, Terceiro tempo de jogo. Ele adorou, comprou vários exemplares, distribuiu aos amigos. Quando entregava os exemplares, dizia, mastigando o charuto:
- Veja só, quem escreveu este belo romance foi o...
E então ele declinava um apelido cruel que me aplicara em aula, quando não consegui conjugar algo como o imperfeito do subjuntivo de um verbo qualquer. O apelido eu não revelo, é claro. Quem quiser saber que leia o livro. Frei Odorico recomendaria.
Já mais crescido, nos anos 1960, voltei ao antigo colégio. O Professor Salles se aposentara ou fora para Portugal, onde, segundo dizia sempre, se falava um português escorreito. Agora eu dividia meu tempo entre o trabalho, as aulas noturnas e as bebedeiras com amigos pelas madrugadas. Era onde aprendia literatura, pois nas aulas a que fui submetido até então tudo começava em Vieira e acabava em Olavo Bilac.
A grande dúvida que me percorria a pobre cabeça era se todos os escritores já haviam morrido, tal como os dinossauros, seres só existentes em passados distantes.
Enquanto isso, nós, da turma do chope, íamos lendo o que aparecia pela frente, numa bagunça deliciosa. A novidade absoluta: versos modernistas. Mário e Oswald. Um amigo me trouxe um romance de Knut Hansun, A Fome. Outro me emprestou Érico Veríssimo. Como o Érico traduzira Aldous Huxley, li Contraponto. Graham Greene, Tolstoi, Dostoievski. Mas li também Morris West, o best-seller do momento. E pilhas de romances policiais comprados em bancas de jornal ao custo de um cruzeiro, como anunciava uma mãozinha desenhada com o indicador para o alto. Além disso, não perdíamos oportunidade de sacanear o Paulo Coelho da época, o poeta J. G. de Araújo Jorge, que líamos debochando, nos bares e boates, em jograis malucos, depois que o chope blumenauense havia cumprido sua tarefa embriagadora.
Foi quando aprofundei a exploração da biblioteca de meu pai e encontrei todos os Machados de Assis de que precisava, em edições da Garnier. Já não havia retorno possível.
No colégio, o tédio. A última flor do Lácio, inculta e bela. O professor de língua portuguesa estava ali com a missão sagrada de nos convencer a todos que não sabíamos nada da língua que falávamos desde pequeninos. Não havia verbo no qual ele não descobrisse uma exceção atormentadora com a qual jamais atinávamos. Não havia colocação pronominal para a qual ele não descobrisse exceção. E os professores de literatura seguiam na batida: nos entupiam de sonetos cheios de menções a heróis ou lugares gregos e romanos.
Até que um dia – este era um dos truques que eu cultivava nas redações: toda boa história deve ter, num certo momento, a advertência: até que um dia... – cheguei para a primeira aula de literatura no segundo ano daquilo que então se chamava de científico.
O professor anunciado era um sujeito esquisito, recém-chegado à provinciana Blumenau, vindo de altos estudos não se sabia onde. Era magro, feio, alto, desengonçado, vestia-se com o chamado desalinho, falava alto e, coisa notável, chegava ao colégio pilotando uma lambreta! Tinha fama de poeta e de revolucionário. Nós, da turma dos botecos, ficamos na maior expectativa.
Quando ele entrou na sala, no entanto, levamos um choque.
Lá vinha ele empunhando o mesmo manual de história da literatura que fora usado para nos atormentar durante anos, aquele que terminava em Olavo Bilac e começava com poetas que viviam em bosques idílicos. Ficamos pasmos, já imaginando como abandonar aquela sala rumo a um copo de chope.
Ele se plantou diante da classe, olhando-nos como se fosse um ator de teatro, canastrão e desafiador, e depois de anunciar que era o novo professor de Literatura, ergueu o fatídico manual na mão direita e perguntou:
- Os senhores sabem o que é isso?
Pensamos as piores coisas, mas só um aluno, um chato que tirava 100 em gramática, disse com seriedade:
- É o manual de literatura.
O professor, subindo um grau na sua interpretação, o interrompeu:
- Nada disso! Isso aqui... – o livro se esfarelava em suas mãos agitadas – Isso aqui é uma porcaria! Uma droga!
E arremessou o livro pela janela.
Chamava-se José Curi. Virou nosso herói. O herói da turma dos bares e boates. O herói da literatura. O erudito da lambreta. O campeão mundial de arremesso de manuais pela janela. Para ele, a literatura brasileira a ser ensinada começava em 1922, com Mário e Oswald. Mas escolhera um caminho melhor para nos levar ao paraíso. Para a próxima aula, pediu que trouxéssemos exemplares dos jornais Última Hora e Correio da Manhã, além da revista Manchete. Começaríamos lendo e analisando os contistas e cronistas que aí publicavam. Nelson Rodrigues, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Antônio Maria.
E enquanto nós enchíamos a sala de aula com festivas gargalhadas e aplausos, ele declamou Bacanal, de Manoel Bandeira:

Quero beber! Cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco…
Evoé Baco!

Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada,
A gargalhar em douro assomo…
Evoé Momo!

Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos…
Evoé Vênus!

Se perguntarem: Que mais queres,
além de versos e mulheres?
- Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!…
Evoé Baco!

O alfange rútilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que não domo!…
Evoé Momo!

A Lira etérea, a grande Lira!…
Por que eu extático desfira
Em seu louvor versos obscenos,
Evoé Vênus!


Era tudo que queríamos.
Era o fecho. Além dos botecos, estudar literatura no colégio virara uma tremenda farra.



sábado, 16 de novembro de 2013

Afinal, mensaleiros em cana.



ELES JÁ DISSERAM QUE O MENSALÃO NÃO EXISTIU, QUE ERA UMA PIADA


Todo brasileiro minimamente informado tem, com relação aos fatos políticos, aquilo que se pode chamar pé atrás ou pulga atrás da orelha.
Um amigo ficou indignado comigo quando lhe disse que, no caso do mensalão, haveria condenações. Não que ele defendesse os acusados, mas não acreditava – e achava arrematada ingenuidade minha acreditar – que tais figurões fossem condenados e muito menos presos. Estávamos no começo do julgamento, quando todas as televisões do país sintonizaram as sessões do STF e o assunto era comentado em todas as esquinas do país, inclusive em Brasília, onde, como se sabe, não há esquina.
O meu argumento era simples. As evidências eram muitas, o momento não favorecia um trambique que engavetasse o processo. E a opinião pública estava ao lado das condenações. Havia, além disso, o Joaquim Barbosa com sua tenacidade surpreendente para padrões brasileiros. E Barbosa não estava sozinho, outros juízes ou estavam ao seu lado ou se sentiam encurralados diante do desgaste que poderia sofrer o STF caso trombasse com a opinião pública.
- Mas há o Lewandowski! bradava meu amigo.
Havia, mas não bastou.
Hoje, 16 de novembro de 2013, os condenados - exceto um que fugiu a tempo para a Itália – foram conduzidos presos para Brasília. Mas isso não significa que a pulga deixou de residir em minha orelha ou que meu pé abandonou a prontidão.
É verdade que esse julgamento e seu atual desfecho são marcos no amadurecimento das instituições democráticas brasileiras. Gastou-se muito tempo no processo, os condenados puderam se defender – contando com os advogados mais caros do país – mas ao final ficou claro que a lei é para todos, não apenas para o traficante, o caloteiro, o ladrão, o assassino, o morador de favela ou das periferias urbanas. É também para quem comete crime corrompendo o legislativo ou desviando dinheiro público. Marcou-se um belo gol em prol da democracia, regime no qual a lei vale para todos, sem privilégios – ao menos é assim que se postula.
No entanto, a tal pulga não cessa de me infernizar. Ela me sussurra que resta saber como, onde e por quanto tempo os mensaleiros cumprirão pena.
Os sinais da malandragem já são evidentes. Houve quem – um membro do STF – levantasse a ideia de que alguns deles deveriam ficar em prisão domiciliar, que não é prisão, aliás, disse o meritíssimo. Os presos e condenados procurarão, de todas as maneiras – contando com o silêncio cúmplice de Dilma Rousseff e o apoio explícito de Lula – fazer pose de presos políticos.
É o que Zé Dirceu e Genuíno já ensaiaram. Podemos esperar, portanto, uma chuva de recursos, de pedidos de novos julgamentos, de abrandamento das penas. A guerra mal começou.
Os condenados contam com as brechas sempre generosas das leis quando se trata de poderosos e com o trabalho muito bem remunerado de seus advogados. E com as manobras que figuras do PT, como Dilma e Lula, poderão fazer. E contam com um fator que no Brasil costuma funcionar: o tempo. Com o tempo a notória permissividade brasileira tudo tolera e tudo esquece.
Assim, fazendo pose de presos políticos e de vítimas, contando com hábeis advogados, com aliados e o tempo, eles tentarão reduzir essas penas.
Foram julgados pela corte mais alta do país, os debates foram abertos e públicos, os membros do STF foram em sua maioria indicados nos últimos dez anos, ou seja, no decorrer do mandato de Lula e de Dilma. Como Dirceu pode dizer que foi perseguido ou prejudicado? Por quem? Para beneficiar a quem? Ele alega ser perseguido pelos meios de comunicação e pelas “zélites”. Ora, quem está no poder, há dez anos, é o PT. Por outro lado, as leis aplicadas aos condenados são as leis vigentes no país. E o STF não cometeu nenhuma arbitrariedade, o que nem as medidas protelatórias, nem os agravos infringentes conseguiram contornar.
Portanto, trata-se de um truque do Zé Dirceu. Mais um: quer posar de vítima politica.
A pulga adverte ao meu pé reticente: não caia nessa.




domingo, 10 de novembro de 2013

Passeando com João Paulo II no bosque do Papa





Sempre que passo pela estátua de João Paulo II, não havendo ninguém por perto – para que não me tomem por mais doido do que sou – comento:
- Sua Santidade merecia uma estátua menos sinistra.
E sigo em frente. Deixo para trás a estátua, com seus olhos furiosos, as mãos crispadas, parecendo vestir luvas cirúrgicas, o corpo rijo. Para não falar na suspeita forma roliça.
Gosto desse Papa, com quem, em 1980, troquei um cumprimento na esquina da rua Senador Saraiva com a Inácio Lustosa. Eu vinha caminhando e surgiu, na rua deserta, um carrão preto. Eis que João Paulo II está na janela e me manda um tchauzinho simpático, sorridente, quase uma benção. Naquela esquina eu era, digamos, o único cristão. O tchauzinho foi só para mim. Devolvi a gentileza, o carrão seguiu em frente e fiquei feliz da vida – não é todo dia que se recebe um cumprimento exclusivo de um Papa.
Por isso desejo ao Papa outra escultura, que tenha seu ar bonachão, sua bonomia de polaco. Pois dia desses passei por ela e repeti a frase de sempre. Dez metros adiante, senti que alguém me seguia. Olhei para trás e lá estava ele, o Papa.
Vestes brancas, sorriso polonês, mãos generosas acenando para mim. Confesso que não estranhei. No Brasil nada consegue me surpreender.
- Sua Santidade! exclamei.
- Olá, Roberto, preciso falar com você.
Fiquei estático. Estava ali na minha frente e sabia meu nome. Olhei para o fim da trilha e vi o pedestal sem a estátua. Uma senhora assustada rodeava o pedestal. Deu um berro e saiu correndo.
- Está vendo? Não posso me demorar. Tenho dois pedidos a lhe fazer, caríssimo.
- A mim?!
- Sei que você escreve nos jornais...
- Sabe disso também?
- Sei. Você não imagina as coisas que um Papa sabe. Mas não posso perder tempo. Primeiro, a estátua. De fato, mereço coisa melhor. Não é minha cara nem minha alma. Como você diz, é sinistra. Nem entendo como certas senhoras piedosas rezam aqui toda semana.
- E que posso fazer?
- Diga que quero outra estátua. Olhos serenos, meio moleques, expressão terna, carinhosa e... polaca.
- E o outro pedido?
Ele foi rápido, o tempo corria contra nós:
- O mictório do parque. É infecto, úmido, escuro, sem ventilação, nunca recebe sol, porta da privada sem trinco, teto baixo pingando água e a parede escorrendo coisa pior. Parece um túmulo. Quando tenho que usá-lo me sinto arrasado.
- Sua Santidade também...
Não me respondeu, pois dois guardas surgiram em correria. O Papa sumiu no ar. Os guardas passaram esbaforidos. Atrás deles, a senhora que dera por sua falta no pedestal. Pensei em sair de fininho, mas fui chamado por um pardal pousado à beira do caminho.
- Psiu! Estou aqui! – me chamou o pardal, com sotaque polonês; sem perder tempo, completou: Escreva no jornal que exijo que o prefeito venha fazer xixi aqui nesse mictório. Caso contrário, tomarei providências divinas!
Dito isso, o pardal voou em direção ao pedestal.
Se eu fosse o prefeito, trocava a estátua e ia fazer um xixi ali no parque para conferir as condições do mictório. Esse polaco é gente boa, mas nunca se sabe.



terça-feira, 5 de novembro de 2013

A espionagem da Dilma ou Spy x Spy







Esclareço. Isso de espionagem é regra universal ao longo de toda a história humana. Já havia na Guerra de Tróia, por exemplo, e antes disso. Haverá sempre.
Aliás, esse episódio envolvendo o Obama e, agora, o governo Dilma, me lembra uns quadrinhos que eram publicados em jornais e que não tenho visto mais. Era chamado Spy x Spy. Tratava-se de dois espiões idênticos nos traços, com a diferença de que um usava roupa branca e, o outro, preta. E o grande barato era que um infernizava a vida do outro, espionando e contra-espionando.
Por isso é ridículo exigir que países deixem de espionar. Pode-se até reclamar para manter a pose, mas será apenas isso: pose. O que se pode fazer, na loucura paranoica que o poder instala, é contra-espionar ou manter um esquema de segurança mais efetivo, o que, em termos de comunicações via internet, o Brasil não tem. Não temos satélite próprio, alugamos uma vaga num dos EUA. Não criptografamos dados etc.
Agora, descoberta essa espionagem brasileira contra o Irã, a Rússia e o Iraque, só resta a essa senhora Dilma pedir desculpas pelo estrago, colocar a viola na sacola e cuidar de governar o país, inclusive em termos de segurança de comunicações. O que até agora não fez.
Êta, governicho desastrado esse!

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O cartunista cubano Antonio Prohias criou o Spy x Spy. Como seria óbvio, desagradou Fidel Castro com seus cartoons e, em 1960, fugiu para os EUA. Publicou na revista MAD a partir de 1961. Aposentou-se em 1987 por conta da saúde frágil e outros desenhistas seguiram produzindo a série.


 

sábado, 2 de novembro de 2013

Cê lembra, amor?






Caminham lentamente, a passos estudados, pelo jardim. Todos os dias o mesmo trajeto, após o almoço. Ajuda a digestão, segundo ela. Dá sono, diz ele, que logo irá tirar uma soneca.
- Cê lembra do hotel, amor?
- Lembro. Hotel... Pedro... Paulo... Esqueci!
- João. Dom João VI.
- É mesmo? Pensei que fosse um papa.
- Só se fosse o Alexandre VI...
- Por que?
- Não sei. Lembrei dele.
- Ora, Amábile. Você está enganada. O hotel se chamava Roma. Por isso a gente achou que era um Papa.
- É mesmo. Até brinquei que era amor ao contrário.
- Cê lembra disso?
- Acho que sim.
- Cuidado com o degrau.
Amábile se apoia no braço de Geraldo, vence o degrau.
- Gramado é uma bela cidade, não é?
- Não era Gramado. Era Canela.
- Sempre achei esse nome muito estranho.
- Uma cidade ali perto.
- Eu juraria que era Gramado.
- É por causa da propaganda. Só se fala em Gramado.
- Mas por que a gente está falando nisso?
- Sei lá!
- E o que nós fomos fazer naquele hotel?
- Ora... lua de mel, não foi isso?
- Não foi depois?
- Antes é que não foi. Os tempos eram outros, Amábile.
- Estranho. E ficamos quanto tempo lá?
- Uma semana.
- Meu Deus, naquele fim de mundo! Fazendo o quê?
- Nem lembro. Cuidado com o canteiro!
Ela dá uma paradinha, coloca aos pés no rumo certo, evita o canteiro.
- Vou pedir ao Felipe para acertar essa curva do canteiro.
- O Felipe já morreu, Amábile.
- Estou falando do jardineiro, não do nosso dentista.
- Claro! Felipe, o jardineiro. Tem nome de rei, aliás.
- Rei Felipe III.
- Quem foi Felipe III?
- Não sei. É como esternocleidomastoideo.
- De onde tirou essa?!
- Sei lá! Coisa do ginásio. A gente lembra nem sabe como.
- De vez em quando também me lembro de coisas antigas.
- É, mas não precisava confundir o dentista com o jardineiro!
- Ué, e você, que nem sabia o nome do hotel?
Param no portão. Um homem passa pela calçada segurando um guarda-chuva.
- Veja só. Um sol desses e o sujeito com guarda-chuva.
- Esse mundo tá perdido!
- Desde os tempos de Felipe III!