sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A guitarra de Jimi Hendix





Como já divulguei aqui, meu novo livro de contos – A guitarra de Jimi Hendrix - foi lançamento no dia 17 passado.
Por isso deixei disponível para sua leitura, aqui blog, um dos contos - O terno branco.

Para fazer o download desse conto ou ler na tela, basta clicar nesse link.

Para adquirir o livro, acesse o site da Editora Insight aqui.

É fácil, rápido e seguro. O livro será entregue em seu endereço em no máximo cinco dias.

Em Curitiba, o livro já está nas Livrarias Curitiba, na Livraria do Chain, no Sebo Capricho e na Livraria do Museu Guido Viaro (Rua XV, 1348, esquina com Gal. Carneiro). Mais adiante estará disponível em outras livrarias.



domingo, 21 de dezembro de 2014

Cadê o ratão?









Eles vieram aos poucos.
Certo dia escutei marteladas ao passar pela cozinha. Estranhei, pois ao lado do prédio havia apenas um terreno coberto de mato. Matagal respeitável, feito desse capim que se chama de praga, além de pequenos arbustos.
Apareciam passarinhos e algumas borboletas davam bordejos por ali. E eu me sentia, aqui do terceiro andar, contemplando um jardim.
Foi quando descobri um habitante daquelas paragens. Um ratão gordo e cinzento, com o qual me encontrei de supetão na entrada do edifício. Eu saía com meu carro e o ratão vinha em disparada na direção da garagem. Freei bruscamente. O ratão fez o mesmo. Brecou as patas, derrapou uns centímetros de bunda virada e disparou rampa acima. Voltou ao matagal.
Passei a olhar o matagal com outros olhos. Ali morava alguém. Um ratão. Feio e balofo, mas um ser vivo. Escondido pelo capim e pelos arbustos, estaria por ali, quem sabe a olhar para cima tentando descobrir o que aquele sujeito fazia na janela observando seus domínios.
Penso que mesmo um ratão deve ter certo senso de propriedade, tanto que, ao dar com meu carro na rampa da garagem, disparou de volta a seu mundo, sabedor que estava fora de seus domínios.
Assim passamos a viver. Ele lá, eu aqui. Nunca mais o vi. Recusado por ser um bicho feio e desajeitado e sujo, estaria lá. O matagal adquiriu para mim um novo sentido. Era moradia de alguém, além de pássaros e borboletas.
Naquela ocasião eu podia ver um edifício vizinho, em cujas janelas quase nunca aparecia alguém, exceto um sujeito gordo de camiseta regata e, um belo dia, uma jovem ao telefone. Sendo jovem, ficou durante horas falando, falando, falando. Isso deu um novo sentido ao cenário. Pássaros, borboletas, um ratão, um gordo e uma jovem ao telefone. Falaria com quem? Nunca saberei.
E o ratão, falaria com quem? Talvez houvesse alguma ratinha por ali, mas nunca a vi. Falar nisso, por que ele tentou entrar desesperado na garagem naquele dia? Algum gato o perseguia ou quem sabe outro ratão dono da ratinha? Aquele terreno verde, cheio de mato, era enfim um universo a explorar e eu me divertia.
Agora tudo isso acabou. As marteladas eram dadas por dois homens que fincavam estacas. Fizeram buracos, brotou água do chão, escavaram. Depois veio uma máquina que, com crueldade, destruiu o que havia de mato. Restou apenas a terra revirada, que outra máquina tratou de aplainar. Surgiu então uma grua gigante, espécie de gafanhoto metálico, que enfiou um parafusão no terreno. Temi que viesse um bate-estaca. Mas não. Feito o buraco, outro gafanhoto lá da rua enviava concreto para enchê-lo. Ferros foram espetados. Depois, mais concreto e mais ferro e vigas e pilares e lajes e tijolos e lá está o edifício em seu quinto andar.
Sem moça telefonando na janela, sem sujeito gordo de camiseta.
E fiquei me perguntando: cadê o ratão?
Eis o que me preocupa. Onde foi parar o ratão nesse terreno devastado? Passarinho e borboleta voam para longe, a jovem arranjará outra janela da qual telefonar. E o gordo talvez percorra com olhos curiosos o edifício que sobe.
Mas o ratão? Eis o que me parece indecifrável.




quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A guitarra de Jimi Hendrix



No dia 17/12, quarta-feira, será lançado meu novo livro de contos,
A guitarra de Jimi Hendrix.
Quem for de Curitiba, está convidado a comparecer ao Museu Guido Viaro. Quem não for, pressione seu livreiro para encomendar o livro.
São quinze contos. De um violino que reinventa destinos a um Almirante que agoniza entre o som e a fúria. De um piano tocando em plena guerra a Dom Antonio, o criador de falsas invencionices. De uma vovó que tinha um amante à guitarra de Jimi Hendrix, que tudo explica ou não. Entre outros.


domingo, 7 de dezembro de 2014

Um país esquizofrênico








O Brasil passa por um período de esquizofrenia.
Sempre teve dificuldades em aceitar a si mesmo. Quis ser português, negro, índio, e misturou as três raças com sucesso – mas faltava algo. O quê? Não se sabia. Por isso, ao longo do século XIX quis ser francês e, com a chegada do século XX, norte-americano. Acabou resultando num país macaqueador de várias origens.
Hoje se repete à exaustão Nelson Rodrigues: é um povo com complexo de vira lata. Ele bolou a frase pensando no futebol, mas ela se tornou um conceito aplicável ao país.
Acrescento que, além de vira-lata, é um país intelectualmente invertebrado. Não tem ossatura filosófica que o sustente. Pensa ser generoso, criativo, mas os resultados deixam a desejar. Imagina ser abençoado por Deus e bonito por natureza, mas passa férias em lugares de turismo consumista e fútil, gastando nisso verdadeiras fortunas.
Sérgio Buarque de Holanda, na obra Raízes do Brasil, o descreveu o brasileiro como “homem cordial”. Poucos brasileiros leram a obra, mas quem leu e quem não leu interpreta o conceito erroneamente. Imaginam que o brasileiro é pacífico, bonzinho e incapaz de revoluções sangrentas. Sérgio Buarque não disse nada disso. O homem cordial é aquele que se guia pelo coração (do latim cor, cordis) e não por construções intelectuais complexas. Um alemão representaria a racionalidade do conceito, um inglês a racionalidade experimental e um americano o utilitarismo empírico. O brasileiro, o coração. Que pode ser cruel, vingativo, violento, tirânico – governado pelo coração.
Por isso, as escolhas políticas brasileiras oscilam ao sabor dos ventos. Sem ossatura intelectual que as sustentem, enaltecem a emoção. Cultivam líderes messiânicos, aguardam o retorno de Dom Sebastião, imaginam que as disputas políticas e filosóficas são variações de um Flaflu.
Comportam-se como torcidas organizadas, fanáticas e toscas. Daí campanhas eleitorais esquizofrênicas, em que se chocam personalidades supostamente capazes de conduzir o povo ao paraíso. Discutir ideias, planos, projetos, alternativas racionais ou empíricas, experimentar novas soluções, rever erros, construir e inventar algo novo – nada disso está em jogo. Gira-se apenas em torno do apego emocional a um líder, a um partido, a uma bandeira de torcida.
Restam os xingamentos. Nas últimas eleições, termos pejorativos dirigidos aos inimigos foram urrados pelas torcidas, que não sabia e continua sem saber o que estava urrando.
FHC, ao assumir, pediu que esquecessem o que havia escrito. Lula, que nada escreveu, embarcou em ventos favoráveis e declarou que nunca fora socialista. Depois, criou o Poste. O Poste levou o país a um beco do qual agora imagina sair recorrendo a executivos e professores que antes demonizou como neoliberais.
Nenhuma ossatura intelectual. Dia desses, no Facebook – esse pátio virtual dos horrores – alguém denunciou corrupção do adversário com ares de triunfo: “O PSDB também rouba!” E alguém contra-atacou: “Vai pra Cuba!”
Minha mãe, mulher sábia, diria: é o roto desfazendo do esfarrapado.
Minha mãe tinha ossatura intelectual.



sábado, 22 de novembro de 2014

Millôr, o camelo e a literatura espetáculo




Une Tombe trop bien fleurie


Sabemos que literatura é uma arte que se destina a uma imensa minoria.
Mas o mundo do espetáculo (leia-se: grana) não se conforma com isso. Sendo tudo espetáculo, trate-se de eleições, de futebol, de culinária, por que não a literatura? Os marqueteiros chegaram lá.
Em outubro surgiram dois exemplos, um na França e, outro, nos EUA.
Na França, foi publicado um romance – Une tombe trop bien fleurie – patrocinado pela Académie Balzac. Obra coletiva. Reunidos após seleção, vinte jovens escritores foram trancafiados no Château de Brillac durante três semanas. Espécie de BBB literário: dez deles acabaram sendo eliminados pelos internautas. Filmados de todos os ângulos, com transmissão ao vivo pela Internet, e, “a quarenta mãos”, como diz a peça publicitária da livraria virtual Chapitre, produziram 196 páginas de um “polar” (o romance policial dos franceses).
A meu ver as vinte cabeças e as quarenta mãos não foram nada criativas, pois pariram uma historinha “dejà vu”. Um velho escritor, que teve fama e sucesso, julga que sua única saída é morrer. Para proteger sua dedicada esposa, procura simular que seu suicídio foi morte natural. Dá tudo errado. O inferno se instala.
Historinha esquemática, roteiro de filme de terceira categoria. Sucesso garantido na televisão e nos telões. Capaz de abiscoitar algum prêmio em um dos milhões de festivais de cinema mundo afora.
O outro exemplo – Endgame – vem dos EUA, onde escolas de escritores insistem em ensinar a escrever. A escrever best-seller, é claro. Todos deveríamos escrever, eis a receita, como um cirurgião opera: seguindo protocolos.
O romance norte-americano é de ficção científica, cheio de tragédias, explosões e assassinatos, como se espera de um país que glamoriza a violência. Mas não basta. Os marqueteiros acharam o gancho literário. A obra se vincula à Internet, ou seja, aos games.
No livro existem links para páginas da rede nas quais se encontram pistas e chaves para a solução dos enigmas. Tudo se resume em desvendar um mistério confuso, que passa por cavernas, acidentes, tiroteios, escavações, mensagens cifradas. Os direitos para cinema e televisão já foram vendidos. Os personagens são, como diria o Chaves, ou seja, o Chapolim Colorado, friamente calculados: de várias nacionalidades, pois o mercado é o planeta.
Não basta. Os autores – no caso, dois; quatro mãos – oferecem ao primeiro que desvendar o mistério US$ 500 mil em moedas de ouro.
O máximo em prazer literário. Balzac viraria cambalhotas.
Os leitores sabem que o camelo é um bicho feio, um híbrido, patas de cavalo, pernas de avestruz, cabeça de alce, orelhas de burro, rabo de espanador etc. O que lembra uma máxima do Millôr: “todos os animais são belos e foram criados por Deus, exceto o camelo, que foi criado por um grupo de trabalho”.
Balzac – uma cabeça; duas mãos –– sem patrocínio e com credores à porta, faria melhor. Mas Balzac, nesse mundo do espetáculo literário, trabalharia feito forçado e continuaria de bolsos vazios.
Já as cabeças dos marqueteiros podem ser vazias, mas seus bolsos estão sempre cheios.




quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Manoel de Barros





Manoel de Barros faleceu hoje, 13 de novembro, uma quinta-feira de espantos. 97 anos de deslumbramento com todas as miudezas do mundo. Uma das netas do poeta disse – e outros repetiram – que ele não morreu. Que virou passarinho. Eu acho que não. Ele já era passarinho. Virou um poema sem-fim nem começo coreografando lonjuras. Perto de nós para todo o sempre.
Transcrevo um poema:



AUTORETRATO

Ao nascer eu não estava acordado, de forma que
não vi a hora.
Isso faz tempo.
Foi na beira de um rio.
Depois já morri 14 vezes.
Só falta a última.
Escrevi 14 livros.
E deles estou livrado.
São todos repetições do primeiro.
(Posso fingir de outros, mas não posso fingir de mim.)
Já plantei dezoito árvores, mas pode que só quatro.
Em pensamento e palavras namorei noventa moças,
mas pode que nove.
Produzi desobjetos, 35, mas pode que onze.
Cito o mais bolinados: um alicate cremoso, um
abridor de amanhecer, uma fivela de prender silêncios,
um prego que farfalha, um parafuso de veludo etc etc.
Tenho uma confissão: noventa por cento do que
escrevo é invenção; só dez por cento que é mentira.
Quero morrer no barranco de um rio – sem moscas
na boca descampada!



sábado, 8 de novembro de 2014

O que a corrupção corrompe?





Alguns atribuem ao compositor Sinhô – um dos pioneiros do samba – uma frase engenhosa que me veio à memória durante o circo eleitoral a que fomos submetidos.
Ocorre que Heitor dos Prazeres o acusara de plagiar o samba Gosto que me enrosco. Diante disso, Sinhô, antecipando todos os malandros que viriam depois dele, teria dito: “Samba é como passarinho que passa voando. É de quem pegar primeiro”.
Para Sinhô um passarinho voando por aí é de qualquer um. Quem pegou, leva. Faz sentido, considerando-se o ambiente em que nasceu o samba. Mas é pilhagem de direitos autorais.
Ocorre que no país dos Bruzundangas, não são poucos os que se comportam desta forma quando se trata de dinheiro público, expressão que parece sugerir que, sendo público, é de todos, ou seja, de ninguém. Feito o pássaro que cruza os ares. Já tivemos um presidente que, diante da acusação de caixa dois feito com dinheiro público declarou, com uma lavada cara de santidade, ser aquilo coisa que “todo mundo faz”.
Eis aí. Se todos fazem, é normal que se faça.
Nesse outubro de 2014 o tema da corrupção dominou a campanha eleitoral, motivo pelo qual não resisto a ele, embora com a paciência já esgotada. As acusações de corrupção foram moeda corrente nos chamados debates – que nada debateram, resumindo-se a uma saraivada de xingamentos e golpes baixos – nos quais estiveram sempre associadas ao dinheiro público. Disso a população, com ou sem razão, deduz que todo político é corrupto.
Talvez seja justo pensar assim, mas há uma falha nessa equação.
Se há corrupto, existe corruptor, o sujeito oculto do quebra-cabeça. É difícil indicar quem ele seja e costuma ser perigoso fazê-lo, pois se trata de gente com efetivo poder de fogo. São banqueiros, financistas, empreiteiros, empresários, grandes proprietários, gente cheia de grana etc. Mexeu com eles, você acaba condenado. Vimos isso acontecer recentemente.
No entanto, sendo óbvio, é preciso colocar na roda os corruptores.
Ainda assim a equação não está completa.
Quando nos concentramos no dinheiro roubado deixamos de apontar não só o corruptor, mas algo mais profundo e que instaura a corrupção.
O efeito mais devastador da corrupção não é o roubo do dinheiro público. O que se corrompe nesse ato são as bases sobre as quais se apoia a vida social, no caso, a propriedade pública. E isso não é uma lei, é antes uma convicção constitutiva da sociedade. Repito o que digo há muito, por ser verdade e por ser óbvio: não são as leis que fazem as sociedades, são as sociedades que fazem as leis. Sem convicções não há sociedade possível.
Eis o crime cometido. Não um mero e eufemístico malfeito.
O que Sinhô, fraudava, ingenuamente por certo, é uma convicção moderna: a criação é propriedade do seu criador. Quando se garfa dinheiro público, o que se corrompe é a consciência de que o bem de todos tem dono. Tal como o ar, a água, a liberdade, a dignidade de cada um.
Um país precisa saber quais são suas convicções fundamentais e zelar por elas. Sem isso, o passarinho é de quem pegar primeiro, o que nenhuma arquitetura jurídica poderá consertar.




terça-feira, 28 de outubro de 2014

A era dos marqueteiros



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Ilustração de Felipe Lima (Gazeta do Povo)



No deserto de inteligência e de civilidade em que se transformou a campanha eleitoral, onde se confunde caneladas e chutes nas partes baixas com refinados golpes de retórica, acho que vou dar um tiro n’água.
Mas vamos ao caso.
Conheci o primeiro marqueteiro quando fazia o chamado curso científico. Um dia ele surgiu para uma palestra. Era um tipo franzino, baixinho, nervoso, que falava em ritmo de metralhadora. Aportara na cidade recentemente e logo se tornou uma celebridade municipal, não pelas virtudes marqueteiras, mas pelo fato de trazer na bagagem doze filhos que fizera em sua esposa, igualmente pequenina, no entanto quieta e mansa.
Isso foi em uma Blumenau que não existe mais, então uma aldeia de uns sessenta mil habitantes. Com a celebridade instantânea, meteu-se a fazer palestras. Fomos escalados para conhecer a mais nova arma da civilização e do progresso, o marketing, que então se chamava apenas publicidade.
Lá estava eu sentado à beira do palco e confesso que fiquei pasmo. O tipo tinha voz de trovão, gestos superlativos de pastor evangélico, verve ferina e andava no palco de um lado para outro como fera enjaulada.
Não me lembro do conjunto do que falou. Sei que a partir de certo momento comecei a ficar entediado com o andamento daquele show, que me parecia um tanto vigarista. Guardei na minha memória apenas o momento em que seus berros me despertaram do tédio. Ele esbravejava:
- Repetição! Repetição!
Apontava um dedo nervoso em todas as direções e perguntava:
- Sabem por que a oração do Padre Nosso pegou? Sabem?! Porque foi repetida bilhões de vezes. Repetição é tudo!
Eis então a história da religião aos olhos de um marqueteiro.
Algum tempo depois li a respeito de Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, igualmente pequenino e agitado. Precursor de todos os marqueteiros, escreveu o seguinte, na tradução do meu amigo André Ambrósio: “Se uma grande mentira for contada e repetida, repetida e repetida, vai chegar um momento em que o povo vai acreditar nela”.
Goebbels acrescentava a isso o princípio que o guiava: “o maior inimigo do Estado é a verdade”.
Por essa razão, uma das astúcias das mentes autoritárias é criar uma população de criaturas sem história – todo déspota está convencido que o mundo começou no dia em que ele nasceu e quer nos convencer de que nunca antes dele se fez nada que mereça atenção. Ele inaugura uma nova era.
Mentira, é claro. Mas pode pegar. É só repetir.
Marqueteiros desejam reescrever a história como bem entendem. Podem, por exemplo, retirar Trotsky da fotografia de um comício. Podem afirmar que investiram milhões em tal projeto, quando esses milhões, se forem aplicados, o serão ao longo de décadas por futuros governantes. Ou dizer que construíram o que ainda está na planta. Ou que desviaram rios que seguem o curso de sempre.
A arte do marqueteiro é a deseducação. Sua arma é produzir a ignorância e matar a reflexão, criando terreno fértil à mentira.
Tudo regido pela repetição ad infinitum, hipnotizando criaturas que desistem de pensar por conta própria.
O que, segundo muitos, é confortável.



segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O amor seja como for em edição digital



Já está disponível na Livraria Amazon (www.amazon.com.br) a edição digital do livro: O Amor seja como for - contos de amor rasgado, de Roberto Gomes.
Basta digitar o título no espaço de busca.

Capa de Jefferson Schnaider


Em O Amor seja como for estão reunidos vinte e quatro contos escritos por Roberto Gomes, tratando dos encontros e desencontros nos relacionamentos amorosos. Das fantasias eróticas, dos ciúmes, das brigas e dos reencontros. Um bem humorado desfile de conflitos, alegrias e delírios a dois.
Tudo isso com desabusado humor. As situações são curiosas e divertidas por vezes. Outras são tragicômicas ou hilariantes. Algumas beiram o absurdo. Em todos os casos, uma leitura agradável que coloca em questão os desesperos e as esperanças dos que amam.
Os contos de O Amor seja como for foram adaptados pelo autor na peça teatral de mesmo nome, em montagem do Grupo Pé no Palco, com direção de Fátima Ortiz, tendo no elenco Alexandre Bonin, Juliana Spricigo, Pedro Bonacin e Vanessa Corina. Foi apresentada, a partir de 2007, em diversos teatros de Curitiba e percorreu por duas vezes teatros do Paraná, em mais de vinte cidades.

Leia O Amor seja como for para reviver suas alegrias e sofrimentos amorosos temperados com o melhor humor.




domingo, 12 de outubro de 2014

As dores de Dolores




Rubens (1577-1640)- Vénus ao espelho, óleo sobre madeira



Dolores se viu no espelho.
Deu um passo para trás, virou o rosto para a direita e para a esquerda. Alisou o pescoço, sorriu, fez uma careta. Concluiu que precisava de uma arrumação na pele. Aliás, não só na pele, mas no corte e na cor dos cabelos, nas roupas que usava, no desenho das sobrancelhas.
E, sem a ajuda do espelho, decidiu que precisava recauchutar seu próprio nome.
Aquele nome a incomodava não era de hoje. Há anos pensava em trocá-lo por outro, mais vivo, mais alegre, que combinasse com ela. Não se sentia na pele de Dolores alguma, menos ainda daquela Dolores na qual se tornara. Mas qual seria a Dolores na qual se tornara? Não sabia. Passou o dia inteiro pensando naquilo e só ao final da tarde lembrou-se de uma entrevista em que uma atriz explicava como mudara de nome e de vida consultando uma numeróloga. Era isso. Procuraria uma numeróloga. Começaria por aí.
Esqueceu o assunto por dois dias e, na manhã do terceiro dia, ao ver-se de novo no espelho, resolveu: era hoje. Conseguiu o telefone da numeróloga com uma amiga, marcou hora e lá se foi. Era pra lá de Campo Comprido, pois esse pessoal que lê cartas, tarô e lida com numerologia costuma morar longe.
A mulher – gorda e grande, com um turbante escandaloso e lábios vermelhos – anotou seu nome, sua data de nascimento, fez umas contas e decretou:
- Tem razão. Esse nome não combina com você. Serve para outras mulheres, mas não para você. Dor, Dolores, não pode dar certo. Por isso continua solteira.
- Solteira e infeliz, comentou, penalizada consigo mesma.
- É esse nome... Lembra da Dolores Duran?
- Lembro.
- Um caso parecido. Vamos dar um jeito. Não há o que a ciência da numerologia não conserte.
Saiu de lá faiscando de felicidade com as indicações da numeróloga, que lhe mostrou cálculos, números cabalísticos, consultou as cartas do tarô e remexeu nas letras de seu nome até chegar a uma conclusão. Anotou seu novo nome num papelzinho. Ele abriria seus caminhos rumo ao sucesso e à felicidade, afirmou a numeróloga. Recomendou que o papelzinho fosse guardado por sete dias junto ao seio.
Estava selada a mudança. Agora se chamava Lory.
Mas não ficou nisso. Sentindo-se uma nova mulher, trocou de cabelereiro e de corte de cabelo, fez um tratamento de pele doloroso, arrebitou o nariz, apertou as narinas e estufou os lábios com um cirurgião plástico, o que lhe custou uma fortuna. Mas estava feliz. Quando se sentiu livre das marcas da plástica, foi ao shopping. Queria exibir ao mundo e a todas às amigas a sua transformação.
Andou de um lado para outro, enfrentou corredores, entrou e saiu de lojas que costumava frequentar esperando ser admirada pelo novo nome, pelo novo rosto e pelo novo destino. Mas aquele povo estava ocupado em vender e faturar. Ninguém notou nada.
Foi quando ouviu um grito:
- Dolores, minha querida!
Era Clara, amiga que não via há algum tempo.
- Que bom te encontrar, Dolores!
Clara examinou-a de alto a baixo e, antes que pudesse revelar que agora se chamava Lory, a amiga lascou:
- Que beleza, Dolores! Você não muda nunca!
Ela desabou nos braços de Clara, aos prantos.




sábado, 4 de outubro de 2014

Ferreira Gullar desnuda o PT em A mentira como método



Ferreira Gullar não é apenas o maior poeta vivo da língua portuguesa. É também um jornalista de primeira e um lúcido analista da política brasileira. Tendo passado pelas decepções que todos sofremos, ele sabe do que está falando, como no artigo cujo link vai abaixo. 





sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Sábia lição de João Saldanha útil nessas eleições




João Saldanha nos traços notáveis de Ique


Isso se deu em algum ano da década de 1970.
Eu escutava um jogo do Atlético Paranaense na rádio e, como é usual, sofria com o desempenho pífio do time.
Nesse dia estava em Curitiba o brilhante jornalista João Saldanha, criatura sábia e divertida, dono de um humor capaz de virar tudo pelo avesso. João, como ativista político, membro do partido comunista, morou em Curitiba e outras cidades do Paraná, tendo participado do movimento de luta pela terra em Porecatu. Era visadíssimo pela ditadura. Havia sido o responsável pela montagem do time que ganhara a Copa de 70, garantindo a classificação, quando inventou “as feras do Saldanha”. Foi defenestrado pelo ditador do momento, General Garrastazu Médici, conhecido por não entender de nada, inclusive de futebol.
Assim, tendo morado a duas quadras da Baixada e sendo um tipo esperto, João Saldanha era torcedor do Atlético. Foi ao jogo e funcionou como comentarista de uma rádio.
Com o Atlético jogando mal, no intervalo o narrador perguntou ao João o que o treinador deveria fazer para voltar melhor no segundo tempo. João, conhecido como João sem Medo, bateu de primeira:
- Deve tirar o meia esquerda.
E calou a boca. O narrador insistiu:
- Mas colocar quem no lugar dele, Saldanha?
E João sem Medo:
- Ninguém. Basta tirar o meia esquerda.
Há situações na história do futebol, dos países e da vida de cada um de nós em que é preciso tirar de cena aquilo que atrapalha, que fede, que contamina com sua incompetência, que corrompe onde mete as patas sujas. Jogar fora a fralda usada, como na imagem de Eça de Queiroz que já citei aqui: “Políticos e fraldas devem ser trocadas periodicamente e pelos mesmos motivos”.
O resto se vê depois. Sábio João.




sábado, 27 de setembro de 2014

Canivetes versus Cavaletes







Bons Dias.
Assim Machado de Assis começava suas crônicas na Gazeta de Notícias, sendo que o fecho era um Boa Noite. Os Bons Dias são compreensíveis, sendo o jornal matutino, mas o Boa Noite ficava no ar. A verdade é que entre os dois estava o texto e a ironia machadiana. Era possível desejar um dia ensolarado e belo, mas ao final do texto só restava a esperança de uma Boa Noite.
Os temas dessas crônicas costumavam ser políticos, circunstância que a ignorância literária nacional eclipsou, rotulando Machado como um autor alheio aos debates sociais da época.
Dou essa pirueta machadiana para me dizer refém do atual reboliço político. Vemos uma grande feira de vaidades e de anúncios de milagres. Temos de um lado um país aquarelado e cheio de sol, que só os pessimistas não enxergam. Do outro, um futuro radiante ao alcance de um voto. Quem não resolveu certos problemas irá resolvê-los no próximo mandato e todos que pretendem entrar em cena juram que o futuro nos sorrirá depois de amanhã.
Mas não quero falar disso, quero falar dos cavaletes em vias públicas. Como veem os leitores, de todos os problemas nacionais, escolho o mais pobrinho: cavaletes. Eles estão por toda parte. Candidatos que passaram pelo Photoshop, peles de plástico, sem rugas, bocas imensas em sorrisos, cores abundantes e dentes alvos. Frases que são verdadeiros dardos. A felicidade à vista. O crescimento instantâneo e sustentável. O futuro a prazo.
Mas quero falar dos cavaletes. Gostaria de saber como é que eles brotam feito cogumelos, emporcalhando a cidade, atrapalhando quem anda pelas calçadas ou dirige seu automóvel. O motorista precisa enxergar o trânsito, mas dá de cara com o sorridente candidato(a) a lhe prometer os céus. Não a via pública livre.
Vim a saber que há regulamentação municipal que limita os lugares e os horários nos quais tais cavaletes podem, digamos, circular.
O que não é obedecido por partidos e comparsas. O dia inteiro e madrugada afora lá estão eles despedaçados pelas vias públicas atrapalhando o trânsito. Na manhã seguinte estão de volta, os cogumelos. Brotam vigorosos.
Um vizinho meu sai para sua caminhada de todos os dias levando consigo um canivete. Contra o cavalete, o canivete. Vai caminhando e cantando e rasgando cavaletes. Já cortou carecas, bigodes, orelhas, penteados volumosos, sorrisos tentadores. Quanto volta, hora e meia depois, grita ao passar pela minha janela: cinquenta e dois! A marca do dia.
Mas é inútil. No dia seguinte lá estão novamente. Conquistarão algum voto? Alguém mudará seu voto ao tropeçar num cavalete?
Prática que enfeia a cidade e pecadilho previsto em lei, eles mostram como os governantes e pretendentes tratam o povo ignaro. Mesmo o mais ingênuo dos votantes fica pensando: se eles burlam a lei e emporcalham as ruas assim, a olhos vistos, diante de todos, contra posturas municipais, o que será que essas madames e cavalheiros não tramam na calada da noite, nos corredores dos palácios, nos conchavos acertados em reuniões secretas?
Ah, caros leitores, como diria Machado de Assis:
Boa Noite.




quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Meditações que me dito




"O socialismo é uma espécie de esperanto. Uma língua universal que não é falada em nenhum país do mundo."

(Roberto Gomes)





domingo, 14 de setembro de 2014

A Majestade Presidencial



Marlon Brando em O poderoso chefão



Às vésperas da eleição presidencial, retomo um tema que já abordei aqui. Justifica-se: o tema é atual e penso que deveria ser ensinado com as primeiras letras aos jovens brasileiros.
Trata-se do livro “Sua Majestade o Presidente do Brasil” (1930), escrito por Ernest Hambloch, membro do Foreign Office e cônsul inglês no Brasil. Aqui morou cerca de vinte anos. Acusado de “denegrir a imagem do país”, voltou à Inglaterra às pressas. Os nacionalistas viam nele uma víbora a ser pisoteada.
Vamos à tese de Hambloch.
Diz ele que são equivocadas as análises que colocam as questões econômicas como núcleo teórico para explicar o Brasil. Não seriam as causas primárias e nada explicam. A seu ver, “as origens dos males do Brasil devem ser buscadas nos defeitos de seu regime político”.
Donos de conhecimento livresco, os brasileiros são incapazes de construir uma ponte mental para aplicação de suas “ideias” aos problemas nacionais. Nos debates eleitorais isso fica claro: um dilúvio de chavões desencontrados tentando pescar votos.
Nossos políticos, diz o inglês, discutem tramoias de políticos e não política propriamente. Eis porque nenhum deles incorpora qualquer credo político. As propostas são improvisadas e podem mudar de rumo a qualquer momento, quando assuntos mais apimentados ou delicados surgem. Oportunistas, “os brasileiros esqueceram-se de como pensar politicamente. Jamais lhes ocorreu formar partidos para advogar ideias”.
Na mosca: nenhum partido defende ideias; defendem slogans providenciados por marqueteiros – trata-se de uma caça aos votos. Oscilam em torno daquilo que é mais conveniente no momento, aderem a antigos inimigos ou vivem de permutas de interesses menores. Daí a conclusão genial: “A política no Brasil nada tem a ver com questões políticas”.
Neste ambiente, diz Hambloch, foi gerada a figura do Majestoso Presidente, criatura sem convicções. “O supremo Poder Executivo está nas mãos de um homem – o presidente – ao qual, e a ninguém mais, seus ministros são responsáveis. O próprio presidente não é responsável perante qualquer pessoa nesta terra durante seu período de presidência, e ninguém ainda inventou um meio prático de fazê-lo responsável depois!”
Sabemos disso.
Resultado: governos autocráticos e apego popular à imagem de um líder salvador, de uma figura forte e messiânica. Por isso candidatos devem fazer poses de durões invencíveis. “Uma ditadura em estado crônico, a irresponsabilidade geral e sistemática do Poder Executivo.” Segundo Hambloch, estes líderes desprezam o povo, que veem como clientela. Por isso, “os programas presidenciais são idênticos. Não há a mais leve suspeita de conflito de ideias políticas. A única ideia política é conseguir o poder”.
Como conclusão, escreve – há mais de 80 anos! – “Os primeiros frutos da autocracia são corruptos e geram a corrupção”.
E o fecho é incompreensível para cérebros tupiniquins: “Os princípios e sistemas democráticos não dependem de cartas constitucionais, mas de convicções. A fé vale mais do que o fato”.
Ocorre que para debater isso exigiria pensar politicamente.





terça-feira, 9 de setembro de 2014

Entrevista ao FLIM 2014 - Sujeito Leitor


Compartilho o link do vídeo da entrevista concedida ao FLIM 2014, a ser realizado em novembro, com organização do Colégio Medianeira de Curitiba sob coordenação do Professor Cezar Tridapalli


​O objetivo básico do FLIM é discutir a Literatura, a Leitura e a formação dos leitores.​



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sábado, 30 de agosto de 2014

Um homem triste


 


- Eu sou um homem triste.
Quem dizia isso, com voz sofrida e rouca, era um homem pequeno, que ali pelas seis da tarde já estava sentado na mesa dos fundos do bar do cego Tião, de onde só saía depois de abater diversas cervejas e comer muitos rollmops.
Nada se sabia dele além daquela reclamação lamentosa:
- Eu sou um homem triste.
Sendo o boteco do cego Tião, aqui no centro da Vila, um lugar de altos debates e vastas especulações, sempre havia alguém levantando hipóteses sobre a origem de tão desesperada tristeza.
- Tem mulher na história, opinava Laurinho Telefone.
- Por quê? – queria saber Luiz Borracheiro.
- Sempre tem mulher no meio de histórias assim.
- Pura hipótese – aparteava doutor Asclépio Plúmbeo Da Vênia, o causídico da Vila, dado a erudições.
- Pode ser – retrucava Laurinho, sorrindo - Assim como a Teoria da Relatividade, da Evolução, das Cordas, do caminho inevitável para o socialismo.
Desabava então um impasse no ambiente. Todos ali sabem, de tanto especular entre goles de pinga e copos de cerveja, que são inúmeros os impasses do conhecimento humano, entre eles as razões que fariam daquele homem um ser tão infeliz.
E havia um complicador. Dele só sabiam o nome, Toninho, dito Tonin. E sabiam disso não porque ele o dissesse, mas porque era assim que um menino o chamava ali pelas onze da noite:
- Seu Tonin, onze horas.
Ele atendia – donde se concluía ser esse seu nome – pagava a conta ao cego Tião, que não perdoa despesa nem dos homens mais tristes do mundo, e saia ao lado do menino como quem se apoia numa bengala. Atravessava o pontilhão sobre o rio Belém, dava umas pequenas paradas, respirava fundo, e seguia em frente. Quando alcançava o outro lado do rio, virava-se na direção do boteco e gritava:
- Eu sou um homem triste!
E sumia na escuridão, motivo pelo qual não se sabia ao certo onde morava, talvez nem ele soubesse, pois era conduzido pelo menino a seu destino.
- Deve ter havido uma tragédia na vida dele. Perdeu a família – opinava cego Tião, que costuma enxergar melhor os sofrimentos humanos do que seus fregueses.
- Que nada. É só cachaça. – debochava Luiz Borracheiro – Cachaça. Por isso só bebo cerveja.
- Mulher. É mulher, insistia Laurinho.
- Dinheiro, isso é que destrói um homem, argumentava doutor Asclépio, espantando aos tapas as caspas do ombro curtido de seu sobretudo negro.
E assim como havia frequentado o boteco durante vários anos, sem revelar mais do que seu nome, um dia o homem triste sumiu sem deixar rastro. O menino também sumiu. Nunca mais veio procurá-lo às onze da noite. Mas não cessaram as especulações, que se tornaram tão obsessivas que um dia o cego Tião, irritado com tanta teoria, encerrou a questão como era seu hábito: deu uma pancada com o porrete disciplinador que deposita na prateleira do boteco e decretou:
- Chega de explicações inúteis! – e, vasculhando o boteco com seu olhar vazio, perguntou – Qual a razão de tanto espanto? Me digam uma coisa: quem aqui não é triste?
O silêncio que tomou conta do boteco poderia ser apalpado – e era assim que cego Tião via todas as coisas do mundo.