terça-feira, 28 de outubro de 2014

A era dos marqueteiros



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Ilustração de Felipe Lima (Gazeta do Povo)



No deserto de inteligência e de civilidade em que se transformou a campanha eleitoral, onde se confunde caneladas e chutes nas partes baixas com refinados golpes de retórica, acho que vou dar um tiro n’água.
Mas vamos ao caso.
Conheci o primeiro marqueteiro quando fazia o chamado curso científico. Um dia ele surgiu para uma palestra. Era um tipo franzino, baixinho, nervoso, que falava em ritmo de metralhadora. Aportara na cidade recentemente e logo se tornou uma celebridade municipal, não pelas virtudes marqueteiras, mas pelo fato de trazer na bagagem doze filhos que fizera em sua esposa, igualmente pequenina, no entanto quieta e mansa.
Isso foi em uma Blumenau que não existe mais, então uma aldeia de uns sessenta mil habitantes. Com a celebridade instantânea, meteu-se a fazer palestras. Fomos escalados para conhecer a mais nova arma da civilização e do progresso, o marketing, que então se chamava apenas publicidade.
Lá estava eu sentado à beira do palco e confesso que fiquei pasmo. O tipo tinha voz de trovão, gestos superlativos de pastor evangélico, verve ferina e andava no palco de um lado para outro como fera enjaulada.
Não me lembro do conjunto do que falou. Sei que a partir de certo momento comecei a ficar entediado com o andamento daquele show, que me parecia um tanto vigarista. Guardei na minha memória apenas o momento em que seus berros me despertaram do tédio. Ele esbravejava:
- Repetição! Repetição!
Apontava um dedo nervoso em todas as direções e perguntava:
- Sabem por que a oração do Padre Nosso pegou? Sabem?! Porque foi repetida bilhões de vezes. Repetição é tudo!
Eis então a história da religião aos olhos de um marqueteiro.
Algum tempo depois li a respeito de Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, igualmente pequenino e agitado. Precursor de todos os marqueteiros, escreveu o seguinte, na tradução do meu amigo André Ambrósio: “Se uma grande mentira for contada e repetida, repetida e repetida, vai chegar um momento em que o povo vai acreditar nela”.
Goebbels acrescentava a isso o princípio que o guiava: “o maior inimigo do Estado é a verdade”.
Por essa razão, uma das astúcias das mentes autoritárias é criar uma população de criaturas sem história – todo déspota está convencido que o mundo começou no dia em que ele nasceu e quer nos convencer de que nunca antes dele se fez nada que mereça atenção. Ele inaugura uma nova era.
Mentira, é claro. Mas pode pegar. É só repetir.
Marqueteiros desejam reescrever a história como bem entendem. Podem, por exemplo, retirar Trotsky da fotografia de um comício. Podem afirmar que investiram milhões em tal projeto, quando esses milhões, se forem aplicados, o serão ao longo de décadas por futuros governantes. Ou dizer que construíram o que ainda está na planta. Ou que desviaram rios que seguem o curso de sempre.
A arte do marqueteiro é a deseducação. Sua arma é produzir a ignorância e matar a reflexão, criando terreno fértil à mentira.
Tudo regido pela repetição ad infinitum, hipnotizando criaturas que desistem de pensar por conta própria.
O que, segundo muitos, é confortável.



segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O amor seja como for em edição digital



Já está disponível na Livraria Amazon (www.amazon.com.br) a edição digital do livro: O Amor seja como for - contos de amor rasgado, de Roberto Gomes.
Basta digitar o título no espaço de busca.

Capa de Jefferson Schnaider


Em O Amor seja como for estão reunidos vinte e quatro contos escritos por Roberto Gomes, tratando dos encontros e desencontros nos relacionamentos amorosos. Das fantasias eróticas, dos ciúmes, das brigas e dos reencontros. Um bem humorado desfile de conflitos, alegrias e delírios a dois.
Tudo isso com desabusado humor. As situações são curiosas e divertidas por vezes. Outras são tragicômicas ou hilariantes. Algumas beiram o absurdo. Em todos os casos, uma leitura agradável que coloca em questão os desesperos e as esperanças dos que amam.
Os contos de O Amor seja como for foram adaptados pelo autor na peça teatral de mesmo nome, em montagem do Grupo Pé no Palco, com direção de Fátima Ortiz, tendo no elenco Alexandre Bonin, Juliana Spricigo, Pedro Bonacin e Vanessa Corina. Foi apresentada, a partir de 2007, em diversos teatros de Curitiba e percorreu por duas vezes teatros do Paraná, em mais de vinte cidades.

Leia O Amor seja como for para reviver suas alegrias e sofrimentos amorosos temperados com o melhor humor.




domingo, 12 de outubro de 2014

As dores de Dolores




Rubens (1577-1640)- Vénus ao espelho, óleo sobre madeira



Dolores se viu no espelho.
Deu um passo para trás, virou o rosto para a direita e para a esquerda. Alisou o pescoço, sorriu, fez uma careta. Concluiu que precisava de uma arrumação na pele. Aliás, não só na pele, mas no corte e na cor dos cabelos, nas roupas que usava, no desenho das sobrancelhas.
E, sem a ajuda do espelho, decidiu que precisava recauchutar seu próprio nome.
Aquele nome a incomodava não era de hoje. Há anos pensava em trocá-lo por outro, mais vivo, mais alegre, que combinasse com ela. Não se sentia na pele de Dolores alguma, menos ainda daquela Dolores na qual se tornara. Mas qual seria a Dolores na qual se tornara? Não sabia. Passou o dia inteiro pensando naquilo e só ao final da tarde lembrou-se de uma entrevista em que uma atriz explicava como mudara de nome e de vida consultando uma numeróloga. Era isso. Procuraria uma numeróloga. Começaria por aí.
Esqueceu o assunto por dois dias e, na manhã do terceiro dia, ao ver-se de novo no espelho, resolveu: era hoje. Conseguiu o telefone da numeróloga com uma amiga, marcou hora e lá se foi. Era pra lá de Campo Comprido, pois esse pessoal que lê cartas, tarô e lida com numerologia costuma morar longe.
A mulher – gorda e grande, com um turbante escandaloso e lábios vermelhos – anotou seu nome, sua data de nascimento, fez umas contas e decretou:
- Tem razão. Esse nome não combina com você. Serve para outras mulheres, mas não para você. Dor, Dolores, não pode dar certo. Por isso continua solteira.
- Solteira e infeliz, comentou, penalizada consigo mesma.
- É esse nome... Lembra da Dolores Duran?
- Lembro.
- Um caso parecido. Vamos dar um jeito. Não há o que a ciência da numerologia não conserte.
Saiu de lá faiscando de felicidade com as indicações da numeróloga, que lhe mostrou cálculos, números cabalísticos, consultou as cartas do tarô e remexeu nas letras de seu nome até chegar a uma conclusão. Anotou seu novo nome num papelzinho. Ele abriria seus caminhos rumo ao sucesso e à felicidade, afirmou a numeróloga. Recomendou que o papelzinho fosse guardado por sete dias junto ao seio.
Estava selada a mudança. Agora se chamava Lory.
Mas não ficou nisso. Sentindo-se uma nova mulher, trocou de cabelereiro e de corte de cabelo, fez um tratamento de pele doloroso, arrebitou o nariz, apertou as narinas e estufou os lábios com um cirurgião plástico, o que lhe custou uma fortuna. Mas estava feliz. Quando se sentiu livre das marcas da plástica, foi ao shopping. Queria exibir ao mundo e a todas às amigas a sua transformação.
Andou de um lado para outro, enfrentou corredores, entrou e saiu de lojas que costumava frequentar esperando ser admirada pelo novo nome, pelo novo rosto e pelo novo destino. Mas aquele povo estava ocupado em vender e faturar. Ninguém notou nada.
Foi quando ouviu um grito:
- Dolores, minha querida!
Era Clara, amiga que não via há algum tempo.
- Que bom te encontrar, Dolores!
Clara examinou-a de alto a baixo e, antes que pudesse revelar que agora se chamava Lory, a amiga lascou:
- Que beleza, Dolores! Você não muda nunca!
Ela desabou nos braços de Clara, aos prantos.




sábado, 4 de outubro de 2014

Ferreira Gullar desnuda o PT em A mentira como método



Ferreira Gullar não é apenas o maior poeta vivo da língua portuguesa. É também um jornalista de primeira e um lúcido analista da política brasileira. Tendo passado pelas decepções que todos sofremos, ele sabe do que está falando, como no artigo cujo link vai abaixo. 





sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Sábia lição de João Saldanha útil nessas eleições




João Saldanha nos traços notáveis de Ique


Isso se deu em algum ano da década de 1970.
Eu escutava um jogo do Atlético Paranaense na rádio e, como é usual, sofria com o desempenho pífio do time.
Nesse dia estava em Curitiba o brilhante jornalista João Saldanha, criatura sábia e divertida, dono de um humor capaz de virar tudo pelo avesso. João, como ativista político, membro do partido comunista, morou em Curitiba e outras cidades do Paraná, tendo participado do movimento de luta pela terra em Porecatu. Era visadíssimo pela ditadura. Havia sido o responsável pela montagem do time que ganhara a Copa de 70, garantindo a classificação, quando inventou “as feras do Saldanha”. Foi defenestrado pelo ditador do momento, General Garrastazu Médici, conhecido por não entender de nada, inclusive de futebol.
Assim, tendo morado a duas quadras da Baixada e sendo um tipo esperto, João Saldanha era torcedor do Atlético. Foi ao jogo e funcionou como comentarista de uma rádio.
Com o Atlético jogando mal, no intervalo o narrador perguntou ao João o que o treinador deveria fazer para voltar melhor no segundo tempo. João, conhecido como João sem Medo, bateu de primeira:
- Deve tirar o meia esquerda.
E calou a boca. O narrador insistiu:
- Mas colocar quem no lugar dele, Saldanha?
E João sem Medo:
- Ninguém. Basta tirar o meia esquerda.
Há situações na história do futebol, dos países e da vida de cada um de nós em que é preciso tirar de cena aquilo que atrapalha, que fede, que contamina com sua incompetência, que corrompe onde mete as patas sujas. Jogar fora a fralda usada, como na imagem de Eça de Queiroz que já citei aqui: “Políticos e fraldas devem ser trocadas periodicamente e pelos mesmos motivos”.
O resto se vê depois. Sábio João.