segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Como (não) criar robôs disciplinados







Lá vinha eu dirigindo, o rádio ligado. Foi quando a voz da apresentadora – naquela locução galopante, aguda, que simula estar à beira de um ataque de riso – anunciou entrevista com uma pedagoga a respeito, disse ela, “do problema central do século XXI”.
Fiquei atento – como se dizia antigamente: apurei os ouvidos. Não é a toda hora que se dispõe de revelação tão grandiosa. Foi quando a locutora revelou qual era o problema:
- O foco.
Isso mesmo, o foco, vejam só. O foco. Minha atenção, digamos, brochou.
E lá veio uma enxurrada de conselhos supostamente sapientíssimos – dirigidos aos que as duas chamavam de “jovens” – sobre a necessidade absoluta de se ter um foco, manter um foco, perseguir um foco. Tudo é o foco e deve estar em foco. Estude com foco. Encare seu emprego com foco. Ponha o foco no dinheiro, no sucesso, no prestígio, na fama. Mantenha seus relacionamentos em foco. E por aí foram as duas, sempre robustamente otimistas, ensinando ao mundo como o mundo deveria ser.
Pois eu, que não sou dado a focos, repassei rapidamente algumas memórias em minha pobre cabeça.
Aristóteles, por exemplo, escreveu, além de livros de lógica e metafísica, obras a respeito do andar dos animais – ou seja, se interessava por tudo e mais um pouco. Seu foco era dinâmico, no mínimo. O mesmo se diga de todos os grandes filósofos e pesquisadores. Eis um exemplo sem foco: Alexander Fleming descobriu a penicilina por acidente. Estava fora de foco. Na história da ciência são inúmeros os exemplos.
Michelangelo e Leonardo da Vinci eram tipos sem foco algum. Pintores, escultores, cientistas, preocupados com questões políticas e religiosas – entre elas, levar pitos e dar carões em alguns Papas – além de serem desafetos e trocarem desaforos no meio da rua, faltando pouco para trocarem tabefes.
Einstein não raro esquecia no meio do caminho se estava indo dar aula ou para casa almoçar. Não se interessava apenas pela física, mas por filosofia, por questões políticas, pela questão racial – ao contrário do que alguns insistem em repetir – além de fazer observações refinadas sobre arte, a natureza da inteligência e da religião.
Picasso, um gênio do século XX, era o sujeito mais dispersivo do mundo. Trabalhou feito um forçado e produziu milhares de obras – até hoje não catalogadas por inteiro. Pulava no mesmo dia de quadros a óleo, a desenhos, a gravuras, a ilustrações, a esculturas e brincadeiras com pedaços de pano, de papel, de jornais ou de ferro velho encontrado no lixo. E também escreveu peças de teatro, poemas, além de se ocupar com questões políticas e sociais – indo às touradas sempre que possível, pois nelas via a expressão de algo que revelava as mais profundas forças que agem sobre o ser humano.
Admito que minha cabeça seja um tanto caótica, mas foi o que reuni no momento, enquanto as duas continuavam a doutrinar os “jovens” a respeito do tal foco.
Pois eu acho o contrário.
Essa história de foco é tão somente uma noção derivada do mundo corporativo. É uma forma de disciplinar indivíduos para que se tornem funcionários obedientes, executivos eficientes, desses que passam por cima de tudo para obter algum resultado (o foco) que possa ser expresso em dinheiro e lucro (o foco último). Tudo pela obtenção do sucesso (foco do ego), da grana (foco do bolso) e da carreira (foco do currículo). Ou seja, isso de foco é apenas uma armadilha doutrinária à qual se submete os “jovens” e os seres humanos em geral, moços ou velhos, para que sejam “úteis”, “produtivos”, “eficientes”, “objetivos”, mesmo que tenham que passar por cima de si mesmo e dos outros.
A imagem mais adequada para o tal “foco” são as viseiras colocadas nos cavalos: um estreitamento de visão.
Isso gera indivíduos que, a pretexto de atingir um fim supostamente louvável, digamos, uma sociedade mais justa ou o lucro da empresa (o foco), são capazes de tudo, inclusive formar quadrilhas, roubar dinheiro público, mentir, pois tudo se justifica quando for um meio para se chegar a um fim (o foco). Há exemplos vários Brasil afora.
Pois eu acho que seria preciso deslocar essa bobagem do foco em benefício do cultivo do ócio e do caráter lúdico da vida, pois é aí que reside a fonte da criatividade. Ao contrário da concepção passiva, de que foco é dizer sim, penso que foco seria dizer não, como afirmava Steve Jobs.
Começa que todos precisamos de interesses os mais variados e mutáveis. O ideal do homem renascentista nos faria um grande bem.
O modelo corporativo, ao contrário, visa apenas criar robôs eficientes que colocam o mundo numa trilha neurótica de crescimento, progresso técnico, exploração intensiva de recursos naturais, ou seja, tudo que é útil e dá lucro. Eis o foco. E é isso que explica o caos econômico, social e ambiental em que estamos, sem falar no rebaixamento crescente do nível cultural, sobretudo no Brasil, onde a burrice triunfa.
O culto ao “foco” produz robôs. E a razão é simples: o foco cria cegueira. Quanto mais foco em um ponto, menos enxergo seu entorno. O foco aniquila com a juventude e com o que ela tem de diverso, de múltiplo, de criativo, de capacidade de inventar novos caminhos. O foco produz a mesmice, ou seja, o especialista, que, segundo o sábio filósofo Bertrand Russel, é o sujeito que sabe cada vez mais sobre cada vez menos. Um belo dia saberá tudo sobre nada. É o buraco negro (o foco) pelo qual será tragado para sempre.
Portanto, abandonemos o foco.
O que nos falta é sabermos recuperar a ociosidade criadora, a contestação do estabelecido, apoiados na mais pura curiosidade. O mundo atual está cheio de desafios. Terrorismo, mudanças climáticas, produção de alimentos, desumanização das megalópoles, esgotamento de recursos naturais, conflitos sociais, guerras, radicalismos ortodoxos, ódio racial, autoritarismo, além da avalanche de burrice em escala gigantesca, com bilhões de seres humanos “focados” em seus celulares e telinhas diversas.
O foco é, em última análise, uma hipnose. Um ópio.
Num mundo assim precisamos expandir nossa consciência pensando em Terêncio, escritor e poeta romano que disse: Sou homem: nada do que é humano me é estranho.
Precisamos de mentes abertas e não de robôs focados.




sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Balanço da geleia geral – salada político-futebolística






Por simples tédio me concedi licença sabática por vinte dias e abandonei o blog ao deus dará. Estava cansado dos chamados fatos políticos, dos debates inúteis, das opiniões oportunistas, das rasteiras que alguns imaginam a essência da política e da vida social.
Por exemplo: Eduardo Cunha, com serena cara-de-pau, repetindo que não tem conta no exterior. Seria um simples vendedor de carne moída e mero beneficiário das contas bancárias citadas.
Ouvimos esse deboche dezenas de vezes diante da impotência do legislativo, do judiciário e dos reclamos populares – não se sabe como defenestrar essa figura grotesca do cenário político.
Agora, quando me obrigo a escrever, lá continua o Cunha manobrando truques regimentais, atendendo conveniências de aliados e de adversários, como é o caso do PT, de Dilma e de Lula, que não querem mexer com o indivíduo. Sabem que um pode levar o outro pro buraco.
E haja polêmica jurídica e manobras legislativas.
Tudo isso parece epidêmico. O Brasil está contaminado pelos debates inúteis, entre eles o que contaminou a crônica esportiva: o Corinthians já seria campeão? Comentaristas faziam cálculos matemáticos primários para concluir sempre que: (a) não era matematicamente campeão e (b) em futebol tudo é possível.
É de doer. Eu, que não torço pelo Corinthians, sabia que o time já era campeão há várias rodadas, por ter sido o melhor time, por ter acumulado pontos de sobra e por manter uma constância que nenhum outro time conseguiu. Mas os inventores de falsas polêmicas seguem em frente.
Ontem, quinta-feira 19, ao menos isso findou: é campeão, fim.
Mas o Brasil é craque em discutir o óbvio e o inútil.  É óbvio que Cunha tem conta no exterior bem como são óbvias outras acusações que pesam sobre ele e sobre outras figuras da república – mas tudo continua no mesmo lugar.
E no mesmo lugar continua a seleção brasileira. Joga um futebol medíocre, ralo, de segunda divisão. No entanto, dispomos de jogadores de talento, pois fazem parte dos melhores times do futebol europeu. Mas o time não anda.
Eu desconfio do óbvio. Olho para o Dunga – um medíocre aplicador de carrinhos quando jogador – e sinto que seu rosto esconde o óbvio: trata-se de um homem sem brilho, sem traço de imaginação, criatividade zero. Que tal experimentar Tite como técnico, que tem mostrado, nos últimos anos, um trabalho admirável?
Não. Enquanto o desastre não se consumar – e desde que o Brasil se classifique apesar de robusta mediocridade – Dunga será mantido.
Falando em desastre, só agora, com a catástrofe ambiental ocorrida em Mariana, vozes se levantam para falar da ausência de vigilância e controle sobre as barragens. E todos saem da reta, entre eles a poderosa Vale do Rio Doce. Destroçou a vida de centenas de pessoas, uma cidade, um rio e agora fala em desastre natural, oferecendo alguns trocados para compensar a barbaridade causada.
Quando o Brasil vai se antecipar às tragédias ambientais, políticas ou futebolísticas? Quando irá agir antes dos desastres? Será preciso novo 7 a 1?
Dia desses, 30 de outubro, ocorreu um incêndio na casa noturna Colectiv, na capital romena, Bucareste. Pelo menos 32 mortos e mais de 80 feridos. É um caso que replica a tragédia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 2013, quando ocorreram 242 mortos.
Mas na Romênia não foram necessários processos e chicanas. Tendo a população ido às ruas protestar, o primeiro ministro do país, Victor Ponta, decidiu entregar o cargo, assumindo o que chamou de “culpa moral” pelo acontecido.
Quando veremos atitude equivalente aqui no Bananão, como Ivan Lessa chamava nosso triste país? Jamais. Aqui levamos de 7 a 1, barragens causam desastres ambientais, políticos e administradores são omissos e incompetentes, o país chega à beira do caos econômico e político e ninguém é responsável. Mais de dois anos depois do incêndio da boate Kiss não se prendeu um vereador, um diretor de obras, nada. Ninguém é responsável por nada, nem pela catástrofe causada pela Vale. Dilma sobrevoou Mariana e deu adeus. Quando explodiu o Mensalão, Lula disse que não sabia de nada e ficou por isso mesmo.
Tudo na mesma. Com um agravante: como não nos antecipamos às tragédias, não se sabe de nenhuma providência efetiva que tenha sido colocada em prática para tornar as casas de shows seguras. Fica-se à espera de um novo desastre, que será chorado como fatalidade.
Ninguém é punido nem se demite. Ninguém sente a mínima “culpa moral”. A velha república da complacência: ninguém sabe de nada. O Cunha não é dono da conta, é beneficiário. Foi um acidente natural, a Vale não tem culpa. Quando alguém será julgado em Santa Maria? Quando será julgado o ex-deputado Carli Filho que, bêbado, decepou a vida de dois jovens? Lá se foram seis anos e o beberrão sequer foi julgado.
Disso resulta o vazio no qual estamos. Dilma não governa. Terceirizou. Levy tenta uma reforma fiscal que não deslancha e contra a qual agem o governo e aliados. Lula age como se fosse presidente e, suarento como sempre, mete o nariz em tudo. Por falta de nariz, os tucanos protegem o próprio bico. O PMDB conspira contra aliados e Temer posa de presidenciável disponível – resta saber se ele lembra um vampiro ou um mordomo.
Falar nisso, cadê redução severa de ministérios? Cadê o anúncio de que “cortariam na própria carne”? Cadê a pátria educadora? Cadê hospitais decentes? Cadê estradas seguras? Cadê um mínimo de brilho intelectual no rosto do técnico da seleção e de tantos notáveis da república? Cadê um projeto para o país? Cadê a culpa moral?
Cadê?
Quer saber de uma coisa? Eu deveria ter continuado em férias sabáticas.





sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Niède Guidon, um exemplo de cientista






O leitor conhece Niède Guidon? Se não conhece, deveria conhecer. Eu confesso que a conheço menos do que deveria. Então, eis o pouco que aprendi, com a promessa de que vou estudar mais a respeito dessa brasileira notável.
Filha de pai francês e mãe brasileira, Niède Guidon nasceu em Jaú, 1933.  Estudou na USP e fez especialização em arqueologia pré-histórica na Sorbonne, tendo trabalhado no Museu Paulista. Dedicou sua vida ao estudo e preservação do sítio arqueológico de São Raimundo Nonato no Piauí. Um trabalho de mais de 40 anos.
Niède obteve reconhecimento internacional. Em 2010 recebeu da UNESCO, em Joanesburgo, medalha entregue a pessoas que prestaram trabalhos relevantes na área da pesquisa, divulgação e preservação dos patrimônios culturais da humanidade. No mesmo ano recebeu pela Fundham a medalha de ouro pelo primeiro lugar na premiação para a Cultura do Herity Italia (Organizzazione per la Gestione di Qualità del Patrimonio Culturale - Commissione Nazionale Italiana).
Segundo Niède Guidon, a datação e a forma de povoamento do continente americano ainda não foi devidamente explicado. Em geral os cientistas acreditam que o ser humano chegou ao continente há 15 mil anos. Não é o que pensa Niède. Segundo ela, artefatos comprovariam que tal data deve ser afastada para mais longe, lá por volta de 45.000 anos.
A divergência estaria na dificuldade em se distinguir o que foi criado pela mão humana, os “artefatos”, daquilo que pode ter sido gerado por processos naturais, os chamados “geofatos”. Niède passou a vida pesquisando, mas as evidências ainda não permitem estabelecer um conclusão aceitável por todos. Ela, com sua alma de cientista, diz que isso não a constrange. Sua pesquisa busca comprovações científicas e, caso alguém provar que ela está errada, ficará muito grata. A verdade é que as evidências que seu trabalho produziu têm se mostrado cada vez mais consistentes.
No entanto, os problemas que Niède enfrentou não se relacionam a questões científicas. Estão ligadas ao descaso e a incompreensão das chamadas autoridades políticas diante do trabalho científico, seja ele qual for.
Daí o depoimento sofrido que ela fez recentemente. Explicou que morava em Paris, de onde saiu, cedida pelo governo francês, para trabalhar no Brasil. Trocou, diz ela, Paris pela Serra da Capivara empolgada com a possibilidade de “defender esse patrimônio e não consegui. Realmente um fracasso total”.
Tal decepção se vincula à falta de empenho do Governo Federal para com o Parque. A situação degradou-se a tal ponto que até o final deste ano a Fundação pode fechar. Como sempre, faltam verbas, num momento, aliás, em que a presidente da república – acrescento eu – vai à Suécia para a compra de 36 aviões de caça Gripen NG da empresa sueca Saab. Lá se vão 5,4 bilhões de dólares.

“Pra mim é o fim de tudo isso”, diz Niéde Guidon.

Os recursos que chegam ao projeto são destinados a obras, sendo que a carência é de pessoal. Isso levou à demissão de muitas pessoas. Alguns recursos que vinham da Petrobrás para a manutenção do Parque evaporaram com a decisão do então presidente Lula, em 2008, de mudar a legislação e criar um Fundo em Brasília. Os recursos? “Sumiu tudo”, diz Niède.
A equipe, então composta de 270 funcionários, foi reduzida para 40.
A saída seria o Parque se tornar autossustentável, para o que seria necessário um aeroporto que desenvolvesse o turismo, que conta com 25 mil turistas por ano. O projeto não precisaria do governo se o aeroporto não tivesse demorado 17 (isso mesmo, dezessete) anos para ser construído.  Inaugurado precariamente no dia 27 de outubro passado, não tem nenhuma linha regular ainda, não opera e tem suas obras contestadas pelo MP em função da deterioração de suas instalações ao longo desses anos. A inauguração foi feita com todas as pombas. Foram tiradas fotos e feitas filmagens.
Niède é, quanto a isso, categórica: “Tudo isso veio tarde demais. Nesse parque nacional foram investidos mais de 4 milhões de dólares que a Fundação conseguiu com o Banco Interamericano, com a França, Itália. Como disse a própria Unesco, é uma infraestrutura fantástica, isso pertence ao Brasil e vai ser destruído”.
Diz ela que tal situação não tem nada a ver com qualquer crise pela qual o país esteja passando. O que há é descaso. “O Parque é nacional, sendo de obrigação do governo federal, do qual sempre tivemos apoio, mas agora está em redução completa porque o Brasil está falido”.
Eis a conclusão de mais de quarenta anos de trabalho e dedicação dessa mulher extraordinária, dessa cientista dedicada e competente. Aos 82 anos, ela assim resume sua decepção: "Acreditei que ia dar certo e não deu. Realmente eu estou muito decepcionada com o que estou vendo aí. É uma coisa terrível".
Ela pensa em mudar-se para Paris.


NOTA: Sendo impossível dar todos os detalhes aqui, indico aos interessados pesquisar na Internet sobre Niède Guidon e o Parque Nacional Serra da Capirava, onde estão inclusive alguns dos artigos e entrevistas nos quais me apoiei para escrever esse texto.





quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O incrível homem que não largava o celular








O psiquiatra olhou para ele, pigarreou, e pegou uma ficha. Pigarreou de novo e olhou significativamente para o celular na mão dele. Ele se fez de desentendido.
- Bem, explicou o psiquiatra, preciso preencher uma ficha com seus dados pessoais, algumas informações gerais, antes de começarmos. Mas, me perdoe, seria melhor se o senhor desligasse o celular.
Ele reagiu e segurou o celular junto ao peito.
- Não posso.
- Aguarda alguma ligação importante?
- Nunca se sabe, doutor.
- É verdade, nunca se sabe. Mas é preciso que desligue para podermos conversar...
- Esse é o problema.
O psiquiatra riu. Era desses psiquiatras que riem:
- Entendi. Não sabe como desligar. Eu tive um celular que eu não sabia desligar. Um amigo me ensinou como fazer – e estendeu o braço na sua direção: Quer que eu desligue?
Ele saltou da cadeira, segurando o celular com as duas mãos. Gritou:
- Não!
Foi um não que exigia um ponto de exclamação, tanto que ele pediu desculpas:
- Me desculpe, doutor. Eu sei desligar.
- Então?
- Mas não posso, não consigo.
- Nunca desliga?
- Não. Nem deixo de olhar para ele.
- Por quê?
- Nunca se sabe...
- Entendo, fez o psiquiatra.
Ele voltou a ocupar a cadeira, o celular na mão esquerda, a mão direita pronta para ajuda-lo na fuga caso o médico ameaçasse arrancar o aparelho de sua mão.
- Calma. Calma. Então, me explique umas coisas.
- Vou tentar.
- Vai ao banheiro com ele?
- Sim.
- Ao chuveiro também?
Ele balançou a cabeça: sim, embrulhado num saco plástico.
- Suponho que quando almoça...
- Ele fica em cima da mesa, mesmo nos restaurantes.
- E no cinema? – o psiquiatra afinal achou que ia vencer.
- Não vou ao cinema há uns dois anos.
- Por causa... – o psiquiatra apontou cautelosamente: ...dele?
- Por causa dele.
- No teatro nem pensar?
- Nem pensar.
- Entendo. E quando dirige?
- No bluetooth do carro.
- Ainda bem. E quando dorme?
- Eu durmo, ele não. Fica ao lado do travesseiro.
- E... – o psiquiatra achou que chegara a uma pergunta infalível: ...quando faz sexo?
- Ele também faz.
- Também?
- Na mão esquerda.
- E funciona?
- Não. Esse é o problema: minha namorada já não aceita. Quer colocá-lo na gaveta, debaixo da cama pelo menos. Não consigo.
- Deixou de fazer sexo, então?
Ele abaixou a cabeça, triste:
- Deixei.
- Nunca vi disso, sussurrou o psiquiatra.
- Nem eu, confessou ele.
- Muito sério o seu caso. Já não vai ao cinema, já não faz sexo. O celular sempre ligado.
- Isso mesmo doutor.
O psiquiatra respirou fundo, passou a mão no rosto duas vezes.
- Confesso que...
- Também não sabe o que fazer, doutor?
Foi quando os olhos do psiquiatra brilharam:
- Acho que sei.
Pegou um bloco, uma caneta e escreveu alguma coisa.
- Meu remédio, doutor?
- Não, não. Nada de remédio.
O psiquiatra lhe estendeu a folha que sacou do bloco:
- Esse é o meu telefone. Ligue para mim.
- Quando, doutor?
- Agora.
- Agora?
- Agora.
O tratamento afinal pode começar. Mas cinema, teatro e sexo, nem pensar.




terça-feira, 29 de setembro de 2015

O casario antigo de Curitiba apodrece a céu aberto





Incêndio começou por volta da 1h20 deste domingo (27) | Rhodrigo Deda
Rua Paula Gomes,325, São Francisco, Curitiba




Vi na internet uma imagem que me pareceu assombrosa. Foi parcialmente incendiada uma casa na rua Paula Gomes, 325, aqui em Curitiba, no domingo passado. Nessa construção funcionou até 2012 a Casa de Portugal. Hoje é de propriedade da Prefeitura Municipal, que a abandonou. Foi então invadida por moradores de rua. Agora, sofre um incêndio.
Essa história já se repetiu inúmeras vezes.
Precisaríamos encontrar uma maneira de responsabilizar a Prefeitura por ter deixado essa e tantas outras casas do centro de Curitiba, muitas centenárias, ao abandono. Não vale culpar moradores de rua ou drogados. O culpado pela destruição e pelo incêndio é, em última análise, o prefeito, juntamente com o encarregado pelo patrimônio, que não sei quem é.
Em países que respeitam e cultivam sua própria história, construções são preservadas, há leis a respeito e vigilância permanente. O proprietário não pode deixa-las ao abandono – se fizer isso e houver um incêndio, ele é criminalmente responsabilizado, pois, além de abandonar um patrimônio, coloca em risco as construções em volta.
Um amigo meu mora em Paris num prédio do século XVII. Há regras rígidas para reformas, conservação, uso – e que ninguém pense que, derrubando o prédio antigo, poderá erguer no local um caixote de cimento qualquer. Terá que refazer a edificação.
Isso em países civilizados, onde vivem pessoas civilizadas, o que inclui prefeitos e administradores.
Uma das desgraças do Brasil é que ninguém é responsável – ou seja, ninguém responde pelo que acontece com bens públicos. Ser um bem público, nesse país, significa ser de ninguém. Pode ser abandonado, destruído, incendiado. Ninguém pagará por isso.
A falta de respeito pelas coisas públicas, unida ao desprezo pela história da cidade, faz com que o passado arquitetônico seja consumido e apodreça a vista de todos.
Um grupo no Facebook, Memória de Curitiba, está colocando na rede fotos e informações a respeito da história da cidade. É louvável. Mas, diante do descaso das chamadas “autoridades”, trata-se de um esforço quixotesco. Alguns buscam registrar a história e outros se encarregam de destruí-la, justo os que deveriam preservá-la. Perdemos todos.
Será que tudo isso acontece por acidente? Por simples esquecimento? Por falta de pessoal ou de verba? Faltará a tal “vontade política” da qual costumam falar políticos e administradores? Ou trata-se de uma destruição calculada que busca abrir espaço para prédios monstrengos que enfeiam as ruas, a cidade e machucam a alma das pessoas?
A inércia, o descaso, a incompetência das “autoridades”, apontam na direção da última hipótese.
O casario antigo de Curitiba está apodrecendo a céu aberto – os exemplos são contados às centenas. Poderia ser recuperado, avivando a memória dos curitibanos, sendo destinado aos mais diversos fins: museus, bibliotecas, auditórios, casas de cultura, órgãos públicos etc.
Ou até mesmo para simplesmente ficar ali, preservado e educativo, para o convívio dos habitantes da cidade.






segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A Nau dos Insensatos segundo Tito Costa







Como escreveu o poetinha Vinicius de Moraes,

“A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.”

Quanto ao primeiro verso não há dúvidas, mas o terceiro desperta controvérsias. Não podemos ter certeza de que estejamos salvos, mas é verdade que a vida vem em ondas como o mar.
Por exemplo, a Lava-Jato. Chegamos à décima nona investida das ondas sobre as praias do Brasil. Somadas, dariam um tsunami. Vindas assim, de uma em uma, vão acumulando cansaço e algum tédio. Mal assimilamos uma dessas vagas, outra nos surpreende de calça curta à beira mar. Sequer decoramos os nomes dos ilustres presidiários da última arribação, surgem outros para exigir de nossa memória. E a vida segue.
E não vale perguntar: já prenderam os chefes? O Brasil, como é sabido, não produziu romances policiais de mérito. Nada comparável a Arthur Conan Doyle, Georges Simenon, Agatha Christie, nem mesmo algo que alcance aqueles livrinhos que eram comprados – ainda são? – nas bancas de jornal com as deliciosas histórias de Shell Scott, o cínico herói de Richard S. Prather, com seus cabelos brancos cortados em escovinha e sua cicatriz na face. O Brasil é um país onde Ali Babá e os quarenta ladrões jamais seria escrito. Seriam apenas Os quarenta ladrões. Aqui não tem Ali Babá. Os Chefes seriam eclipsados. Aqui, Al Capone terminaria seus dias sozinho, com todos seus asseclas presos, mas estaria solto.
Assim, são impossíveis romances policiais no Brasil. Apenas vemos as ondas chegarem à praia numa sucessão infindável. Mas dizem que somos o país da esperança. Esperemos.
Enquanto isso, o cenário político se movimenta da mesma forma. Renan e Cunha seguem fazendo tropelias e, citados em processos, não abandonam seus cargos. Ao contrário, mandam e desmandam. Boicotam o que podem, não por convicção, mas por pilantragem, criando problemas para inimigos e aliados. E sobrevivem.
Além deles, há um vice, Temer, que vegeta na moita, como todos os vices, mas de olho na sua chance histórica. Diz uma coisa, outra, se desdiz, sem perder a pose sinistra de vampiro.
E Dilma continua na dança da barata tonta, tal como um capitão de navio que afunda. Mas que continua atirando, inclusive nos próprios pés. A cada pronunciamento surge uma mandioca, uma meta que será dobrada ou não, e essa joia da retórica: “eu queria dizer...” E nunca diz, é claro. A luta com as palavras é a luta mais vã, já dizia Drummond, noutro nível e com outras intenções. Como a presidente não é nenhuma poeta, se limita a discursos defensivos, retórica inventada por Lula: eu não sabia. E acusa inimigos de serem pessimistas, o que a ditadura militar também fazia.
E as chamadas esquerda e direita seguem na mesma batida. A esquerda rosna e a direita late. Não produzem ondas, só marolas. Professores universitários criam textos cada vez mais torturados tentando prever o passado. Mais do mesmo. Fantasias sobre os rumos inevitáveis da história. E sujeitos irados da direita tumultuam berrando que seus adversários são comunistas (KKKKKK, para usarmos um termo técnico do Face Book). Querem que sejam mandados para Cuba, quando Cuba afinal está – com décadas de atraso – tentando sair do atoleiro no qual crenças maníacas a colocaram.
Aliás, esperança era o que se projetava quando da ascensão do PT ao poder. Uma geração de iludidos, entre os quais me incluo, suspirou: lá viriam afinal novos tempos, apesar dos pesares. Não vieram. Veio o avesso do avesso.
Perdemos uma grande oportunidade histórica e cá estamos a remar contra a maré. Lula perdeu a oportunidade de se tornar um estadista capaz de dar uma direção honesta e justa às coisas políticas brasileiras, e os brasileiros perderam o paraíso no qual esperavam chegar.
Por isso a grande síntese dessa triste quadra da vida brasileira é a carta publicada ontem, 20/09, no jornal Folha de São Paulo. Foi escrita por Antonio Tito Costa e dirigida a Lula. Tito Costa, líder político, defensor de Lula no ABC dos tempos de resistência à ditadura militar, prefeito de São Bernardo, do alto de seus 92 anos, concluiu assim a carta, sintetizando o estado político e emocional em que todos nós brasileiros nos encontramos:
Como bem lembrou Frei Betto, seu amigo e colaborador, você, liderando o Partido dos Trabalhadores, abandonou um projeto de Brasil para dedicar-se tão somente a um ambicioso e impatriótico projeto de poder, acomodando-se aos vícios da política tradicional. (....)
Por isso, meu caro Lula, segundo penso, você perdeu a oportunidade histórica de se tornar o verdadeiro líder de um país que ainda busca um caminho de prosperidade, igualdade e solidariedade para todos. Alguma coisa que poderia beirar a utopia, mas perfeitamente factível pelo poder político que você e seu partido detiveram por largo tempo.
Agora, perdido o ensejo de sua consagração como grande liderança de nossa história republicana recente, o operário-estadista, resta à população brasileira o desconsolo de esperar por uma era de dificuldades e incertezas.


PS: quem quiser ler a íntegra da carta de Tito Costa, clique aqui.




sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Andando de bicicleta



Não foi bem isso, mas foi quase




Há alguns anos não andava de bicicleta. Explico: fui vítima de dois roubos de magrelas. Compraria outra? Demorei a me decidir.
Pois cá estou com uma nova bicicleta.
A primeira dificuldade é se readaptar. Embora jamais se esqueça de como se anda de bicicleta, a verdade é que mudou o trânsito, o número e a ferocidade dos carros, a agilidade do ciclista, até mesmo a paciência em pedalar escolhendo alternativas pela cidade. Mas temos as ciclovias. Assim, lá vou eu.
Com alguns cuidados, porém. Trago na memória o acidente que sofri quando tinha dez anos. Ia de bicicleta ao colégio, um trecho de uns quatro quilômetros. Atrasado para a aula de educação física, cujo professor era um baixinho exigente e autoritário, eu dava pedaladas furiosas para chegar a tempo.
A Rua Sete de Setembro – numa Blumenau que não mais existe – estava sendo preparada para a colocação de paralelepípedos e havia sido recoberta por macadame, uns pedregulhos robustos. A última lembrança que guardo é da trepidação sobre o macadame. Foi quando a bicicleta pareceu sumir chão adentro. Curiosamente, sem choques ou dores; como se o tempo parasse e eu mergulhasse numa piscina cheia de nuvens. Eis o que me ficou na minha memória. A morte deve ser assim.
Acordei duas horas depois, num hospital. À minha frente, um médico e um homem que não reconheci. Abri os olhos com dificuldade e o médico me perguntou:
- Como é seu nome, menino?
Disse meu nome e sobrenome, o que causou um sobressalto no homem que estava ao lado do médico.
- Você é o filho do João Gomes? perguntou ele, surpreso.
- Sim.
O homem ficou pasmo. Ele me conhecia, mas não me reconhecera: meu rosto estava em carne viva. Aquele homem, chamado Glauco Olinger, que me recolhera na rua e me trouxera ao hospital, saiu em busca de meu pai, seu amigo.
Os próximos trinta dias foram de idas e vindas ao hospital. Eu era colocado numa cadeira, diante de um alemão imenso, o enfermeiro, que ia retirando com uma pinça os grãos de areia e fragmentos de pedras que ficaram incrustados no meu rosto e que brotavam aos poucos. A cada dia emergiam novos grãos e o enfermeiro os retirava com cuidados que contrastavam com seu gigantismo.
Em casa e sem ir à aula, lembro-me da aflição de minha mãe, que eu não entendia. Mais tarde ela me diria que temera que meu rosto jamais voltasse ao normal. Em seus olhos eu vi que meu estado deveria ser lastimável e procurei o espelho do banheiro para conferir o estrago. O espelho do banheiro havia desaparecido. Também sumira o espelho da sala. O mesmo com o espelho da penteadeira de minha mãe. Ela sumira com todos os espelhos – eu não deveria ver o que acontecera com meu rosto.
O acidente resultara da quebra dos garfos da roda dianteira. A roda avançara sozinha e eu fora jogado contra as pedras nas quais meu rosto se arrastara por uns dois metros. Tornou-se uma ferida só, mas não quebrei um único osso.
Fiquei dias sem ir ao colégio e minha mãe se esforçou para me distrair. Guardo a lembrança de estar jogando bola com ela no quintal e lembro-me de ter surpreendido seu olhar aflito, me observando disfarçadamente. É, no entanto, uma boa lembrança.
Numa outra fase da vida talvez isso me afastasse das bicicletas para sempre. Mas não foi assim, pois pouco tempo depois, com nova bicicleta, lá estava eu com meus amigos realizando o que considerávamos uma proeza digna de heróis.
Tratava-se do seguinte. Subíamos até o alto do Morro da Caixa d’água, que ficava depois da linha do trem, junto à Rua São Paulo. Íamos empurrando as bicicletas – era impossível subir pedalando. Ao chegar lá em cima, em posição de largada, despencávamos morro abaixo. Era um caminho de barro cheio de curvas que descíamos em alta velocidade, sendo que a grande demonstração de coragem era retirar o pé dos pedais.
Explico: aquelas bicicletas não tinham freios manuais, o freio era no pedal. Com os pedais livres e sem freio possível, lá íamos nós, aos berros, derrapando curva após curva.
Loucura total.
Um dia um de meus amigos se perdeu numa curva e foi jogado contra um eucalipto no qual ficou dependurado. Pela inclinação do morro, ficou a uns cinco metros de altura. Foi um trabalho enorme retirá-lo de lá.
Desistimos daquele heroísmo.
Desde então, ao subir numa bicicleta, me assaltam dois sentimentos contraditórios. Um deles é a sensação deliciosa de sentir o vento, a velocidade, a fantasia de liberdade. Outro é o medo. Um medo abissal, sempre presente.
Mas não foi isso que me afastou das bicicletas. Pedalei até virar um adolescente que preferia ir ao cinema, vestir camisas pretas com gola erguida, ver filmes de novos heróis, John Wayne e Elvis Presley. Que iria fazer numa bicicleta, coisa de criança?
Hoje me pergunto: o que faço numa bicicleta, estando a infância tão distante? Pedalo com cuidado, ando pelas ciclovias, atento aos carros e aos pedestres. Não acho mais graça em arriscar meus ossos numa queda ou despencando morro abaixo. O medo me mantém atento. Mas a sensação de liberdade é a mesma. Ainda pedalo como o menino que fui. O medo é bom conselheiro e saboreio a vitória sobre ao menos um dos muitos temores que a vida nos impõe.
E, havendo caminho livre, acelero a magrela.




sábado, 22 de agosto de 2015

Tico Bonito, o palhaço o que é?



O Palhaço Tico Bonito, em Cascavel, cercado por policiais nada engraçados




Tico Bonito, o palhaço em questão, é um sujeito pequenino, miúdo, de aparência frágil. Mas é claro que a força de um palhaço não se mede pelo volume dos músculos ou pelo calibre da arma que carrega na cintura.
A arma do palhaço é o riso, a graça, a irreverência. Há algo que o palhaço leve a sério? Poucas coisas. Uma delas é o público, sobretudo as crianças. Mas um palhaço faz mais do que isso. Fala para todos, diverte e faz rir e pensar a velhos e moços e crianças, desde que tenham resquícios de alma infantil.
Pois lá estava o Tico Bonito se apresentando no calçadão da cidade de Cascavel, Paraná, participando de um festival infantil de teatro. Sua identidade civil é Leônidas Quadra, mas ali ele é apenas o palhaço. As crianças e os adultos que estão a sua volta se divertem.
É quando passa pela rua lateral ao calçadão uma viatura policial. Tico Bonito, movido pela irreverência natural a seu papel, comenta então que os policiais que ali passavam eram serviçais do governador, defensores da burguesia, preocupados com o centro da cidade e não com a periferia.
Como é sabido, a reação de Tico Bonito reflete indignações ligadas a acontecimentos recentes, quando tropas policiais do Estado do Paraná produziram uma batalha campal criminosa contra professores que protestavam no Centro Cívico, em Curitiba. A pancadaria, as bombas, deixaram feridas que ainda não cicatrizaram por completo – talvez nunca cicatrizem. O palhaço sabia o que estava dizendo, mas os policiais pareciam não saber o que estavam ouvindo.
Eles estacionaram a viatura policial e se dirigiram ao palhaço anunciando que estava sendo preso por desacato à autoridade. A autoridade, no caso, eram eles, três policiais com o dobro de volume e o triplo de músculos. Para executar a colocação de Tico no camburão, no entanto, os policiais precisaram de reforços. Outros policiais chegaram, um deles com uma arma de grosso calibre em punho, além de policiais a cavalo. A multidão tentou reagir, mas foi inútil. Tino Bonito reagiu com energia, mas força bruta venceu.
Foi Tancredo Neves quem disse certa ocasião, em plena ditadura, que temia mais o guarda da esquina do que ao ditador de plantão. Foi o que se deu.
Tico foi submetido a empurrões, pescoções, trancos. Reagiu valentemente, berrou, recusou-se a ser enjaulado. Os populares em volta também interferiram, gritaram, empurraram, mas de nada adiantou. Tico foi trancafiado depois de muita resistência e foi levado para a delegacia.
Vamos lembrar que o que Tico disse da política, embora possa ser discutível, expressa o pensamento do Palhaço e do cidadão Leônidas Quadra. Aliás, expressa a opinião de inúmeros pensadores, filósofos, educadores, sociólogos, jornalistas, professores e de cidadãos comuns que clamam por paz e segurança.
O que fará a policia? Irá prender a todos eles por desacato à autoridade? Arrogará a si o direito de dizer o que é correto e o que não é correto se dizer a respeito dos poderosos? Imaginam-se defensores de governantes ofendidos?
Equívoco perigosíssimo. Imaginar que sua função de “manter a ordem” alcança o que pensam as pessoas e o modo como elas expressam sua opinião é um sinal a mais do caos sócio-político ao qual chegou nosso pobre país.
Deixemos os palhaços em paz, portanto.
E que as “autoridades” deixem de palhaçadas. Eles não são do ramo.