domingo, 19 de julho de 2015

Cícero e seu discurso atualíssimo. Parece jornal de ontem.



Cicero discursando contra Catilina no Senado Romano
(Afresco de Cesare Maccari, século XIX)



Para quem procura novidades nos jornais do dia ou nas páginas da internet, aconselho a leitura do discurso de Cícero, o cônsul romano, proferido há vinte séculos.
Nada mais atual no Brasil de hoje. Parece ter sido escrito mirando presidentes que não sabem de nada, senadores que não receberam nada, deputados que nunca embolsaram um centavo. E também a políticos de partidos que ignoram o que a voz das ruas está dizendo.
Lá do século I a.C., eis o protesto insuperável de Cícero:

Marcus Tullius Cícero
(trecho de discurso pronunciado no Senado Romano em 08 de novembro de 63 a.C.)

Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?
Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós?
A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia?
Nem a guarda do Palatino,
nem a ronda noturna da cidade,
nem o temor do povo,
nem a afluência de todos os homens de bem,
nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado,
nem a expressão do voto destas pessoas, nada disto conseguiu perturbar-te?
Não te dás conta que os teus planos foram descobertos?
Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem?
Quem, dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, com quem te encontraste, que decisão tomaste?
Oh tempos, oh costumes!




PS: só para lembrar: o alvo do discurso, Catilina, que só pensava em seu próprio poder e no seu bolso, saiu do Senado e, um ano depois, foi morto em batalha; queria voltar ao poder.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Alfredo Andersen, pintor norueguês caboblo no Paraná





Vale a pena conferir. Lançamento no dia  6 de agosto, na Livraria Cultura, em Curitiba, com sol, chuva ou ventania nos pinheirais:
Alfred Andersen, um jovem pintor norueguês, encantou-se com o Paraná quando, a caminho de Buenos Aires, em 1893, o navio em que viajava fez uma escala técnica em Paranaguá. Decidiu ficar. Casou-se com uma descendente de índios Carijós, deu aulas de pintura e retratou a burguesia que, em troca, o acolheu.



segunda-feira, 6 de julho de 2015

O pseudodebate político brasileiro e Saramago.





O Brasil vive um momento de inversão de qualquer racionalidade política e intelectual.
Como dizia Tom Jobim, trata-se de um país de ponta cabeça.
Tomo três exemplos para ilustrar.
O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, dia desses confessou ao país e em particular à presidente não suportar mais as pressões recebidas de membros do PT e de empresários investigados pela Lava Jato. Antes dessa confissão pública, seu mal estar já era evidente nas falas tortuosas e no gestual agoniado de Cardozo.
Então, destaque-se o seguinte.
Os petistas e empresários que o pressionam manifestam um comportamento antidemocrático que ignora qual é a organização e as relações entre os três poderes. Primeiro, são poderes independentes. Segundo, tentar interferir seria praticar uma ilegitimidade constitucional.
É claro que petistas e empresários, bem como os membros do próprio governo, podem ter sobre a Lava Jata a opinião que desejarem, mas não podem se imaginar acima da constituição para impedir julgamentos, investigações e decisões tomadas legitimamente por outros poderes.
A presidente, por seu lado, sempre que fala nas investigações em curso, coloca, em seu discurso sofrível, uma quantidade de restrições, tais como “seletividade” por parte da PF, ou a advertência de que delações não são provas. (Todos sabemos disso, professora.) Além da comparação grotesca entre interrogatórios sob a ditadura militar e as delações feitas ao juiz Moro.
Além disso, pretende denunciar que não vê andamento algum em processos ou investigações contra o PSDB. Ora, o PT está no poder há mais de três mandatos. Por que não fizeram andar as investigações? Devo confessar que desejaria que todas as denúncias, incluídas aquelas levantadas contra o PSDB, trouxessem ao debate público todas as falcatruas possíveis. Corrupção e roubalheira de qualquer parte devem ser investigadas e punidas, ponto final.
A não ser que admitamos a hipótese absurda de que há um complô uníssono do judiciário contra o executivo, é de se desconfiar que faltem argumentos jurídicos que permitam tais processos. Ou compadrio, quem sabe.
Já o ex-presidente Lula faz as habituais declarações tortuosas e descabidas. A pior delas: Dilma não teria pulso forte para colocar o judiciário nos trilhos. Ele imagina que teria. Pensa assim porque imagina o poder do presidente como algo residente acima da constituição. A seu ver, presidente deve ser um imperador absolutista. Deveria atropelar o outro poder.
Ora, além de desejar que o PSDB também responda por eventuais bandalheiras, me sinto no direito de exigir que o ministro da justiça seja deixado em paz e que faça cumprir a lei, no caso, que o processo ande de forma absolutamente legal. O que está sendo feito.
E que Dilma assuma a defesa da punição daquilo que chamou, num eufemismo casuístico e oportunista, de “malfeitos”. Malfeitos; mais conhecidos como crimes, roubos, corrupção. Como não faz isso, vive escondida, não sai à rua, não dá entrevistas coletivas. Só fala em eventos controlados e para plateias domesticadas. E anda de bicicleta. Tal como Cardozo e Lula, seu discurso é cada vez mais contorcionista – e não só com relação à língua portuguesa, mas com a lógica mais elementar.
E o PSDB? – estaria perguntando algum petista que suportou me ler até esse ponto. Pois processem, denunciem, tragam a público. Milhões de brasileiros, eu entre eles, bateríamos palmas. Seria mais uma chance do país se redimir de seus erros.
Como não é feito nada disso, o país vai à deriva, tal como a Nau dos Insensatos. O que se chama de debate político se transformou numa troca de palavrões e xingamentos, onde se confunde palavrões com conceitos e xingamentos com argumentos. E adversários políticos são vistos, de lado a lado, como inimigos a serem abatidos a pauladas, numa concepção de disputa política similar à lógica doentia das famigeradas torcidas organizadas.
Saramago, a quem admiro como ficcionista e como entrevistado, quando esteve certa ocasião no Brasil, deu um fecho brilhante a uma entrevista. Perguntado sobre qual conselho daria aos brasileiros, ele respondeu na bucha, sem hesitação, com a dureza própria de um sólido lusitano que dá socos nas batatas para preparar um “bacalhau ao murro”. Eis o conselho de Saramago:
“Decidam-se!”
Enquanto isso não é feito, a nau segue à deriva e todos assistimos a um circo político de faz de conta.
Muito triste.

PS: Notem que nem falei do congresso nacional. Fica para a próxima.