Por simples tédio me
concedi licença sabática por vinte dias e abandonei o blog ao deus dará. Estava
cansado dos chamados fatos políticos, dos debates inúteis, das opiniões oportunistas,
das rasteiras que alguns imaginam a essência da política e da vida social.
Por exemplo: Eduardo
Cunha, com serena cara-de-pau, repetindo que não tem conta no exterior. Seria um
simples vendedor de carne moída e mero beneficiário das contas bancárias
citadas.
Ouvimos esse deboche dezenas
de vezes diante da impotência do legislativo, do judiciário e dos reclamos
populares – não se sabe como defenestrar essa figura grotesca do cenário
político.
Agora, quando me obrigo
a escrever, lá continua o Cunha manobrando truques regimentais, atendendo conveniências
de aliados e de adversários, como é o caso do PT, de Dilma e de Lula, que não
querem mexer com o indivíduo. Sabem que um pode levar o outro pro buraco.
E haja polêmica
jurídica e manobras legislativas.
Tudo isso parece
epidêmico. O Brasil está contaminado pelos debates inúteis, entre eles o que contaminou
a crônica esportiva: o Corinthians já seria campeão? Comentaristas faziam
cálculos matemáticos primários para concluir sempre que: (a) não era matematicamente
campeão e (b) em futebol tudo é possível.
É de doer. Eu, que não
torço pelo Corinthians, sabia que o time já era campeão há várias rodadas, por
ter sido o melhor time, por ter acumulado pontos de sobra e por manter uma
constância que nenhum outro time conseguiu. Mas os inventores de falsas
polêmicas seguem em frente.
Ontem, quinta-feira 19,
ao menos isso findou: é campeão, fim.
Mas o Brasil é craque
em discutir o óbvio e o inútil. É óbvio
que Cunha tem conta no exterior bem como são óbvias outras acusações que pesam
sobre ele e sobre outras figuras da república – mas tudo continua no mesmo
lugar.
E no mesmo lugar
continua a seleção brasileira. Joga um futebol medíocre, ralo, de segunda
divisão. No entanto, dispomos de jogadores de talento, pois fazem parte dos melhores
times do futebol europeu. Mas o time não anda.
Eu desconfio do óbvio.
Olho para o Dunga – um medíocre aplicador de carrinhos quando jogador – e sinto
que seu rosto esconde o óbvio: trata-se de um homem sem brilho, sem traço de imaginação,
criatividade zero. Que tal experimentar Tite como técnico, que tem mostrado,
nos últimos anos, um trabalho admirável?
Não. Enquanto o
desastre não se consumar – e desde que o Brasil se classifique apesar de robusta
mediocridade – Dunga será mantido.
Falando em desastre, só
agora, com a catástrofe ambiental ocorrida em Mariana, vozes se levantam para
falar da ausência de vigilância e controle sobre as barragens. E todos saem da
reta, entre eles a poderosa Vale do Rio Doce. Destroçou a vida de centenas de
pessoas, uma cidade, um rio e agora fala em desastre natural, oferecendo alguns
trocados para compensar a barbaridade causada.
Quando o Brasil vai se
antecipar às tragédias ambientais, políticas ou futebolísticas? Quando irá agir
antes dos desastres? Será preciso novo 7 a 1?
Dia desses, 30 de
outubro, ocorreu um incêndio na casa noturna Colectiv, na capital romena,
Bucareste. Pelo menos 32 mortos e mais de 80 feridos. É um caso que replica a
tragédia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 2013, quando
ocorreram 242 mortos.
Mas na Romênia não
foram necessários processos e chicanas. Tendo a população ido às ruas protestar,
o primeiro ministro do país, Victor Ponta, decidiu entregar o cargo, assumindo
o que chamou de “culpa moral” pelo acontecido.
Quando veremos atitude
equivalente aqui no Bananão, como Ivan Lessa chamava nosso triste país? Jamais.
Aqui levamos de 7 a 1, barragens causam desastres ambientais, políticos e
administradores são omissos e incompetentes, o país chega à beira do caos
econômico e político e ninguém é responsável. Mais de dois anos depois do
incêndio da boate Kiss não se prendeu um vereador, um diretor de obras, nada.
Ninguém é responsável por nada, nem pela catástrofe causada pela Vale. Dilma
sobrevoou Mariana e deu adeus. Quando explodiu o Mensalão, Lula disse que não
sabia de nada e ficou por isso mesmo.
Tudo na mesma. Com um
agravante: como não nos antecipamos às tragédias, não se sabe de nenhuma
providência efetiva que tenha sido colocada em prática para tornar as casas de
shows seguras. Fica-se à espera de um novo desastre, que será chorado como
fatalidade.
Ninguém é punido nem se
demite. Ninguém sente a mínima “culpa moral”. A velha república da
complacência: ninguém sabe de nada. O Cunha não é dono da conta, é
beneficiário. Foi um acidente natural, a Vale não tem culpa. Quando alguém será
julgado em Santa Maria? Quando será julgado o ex-deputado Carli Filho que,
bêbado, decepou a vida de dois jovens? Lá se foram seis anos e o beberrão sequer
foi julgado.
Disso resulta o vazio
no qual estamos. Dilma não governa. Terceirizou. Levy tenta uma reforma fiscal
que não deslancha e contra a qual agem o governo e aliados. Lula age como se
fosse presidente e, suarento como sempre, mete o nariz em tudo. Por falta de
nariz, os tucanos protegem o próprio bico. O PMDB conspira contra aliados e
Temer posa de presidenciável disponível – resta saber se ele lembra um vampiro
ou um mordomo.
Falar nisso, cadê redução
severa de ministérios? Cadê o anúncio de que “cortariam na própria carne”? Cadê
a pátria educadora? Cadê hospitais decentes? Cadê estradas seguras? Cadê um
mínimo de brilho intelectual no rosto do técnico da seleção e de tantos
notáveis da república? Cadê um projeto para o país? Cadê a culpa moral?
Cadê?
Quer saber de uma
coisa? Eu deveria ter continuado em férias sabáticas.