sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Balanço da geleia geral – salada político-futebolística






Por simples tédio me concedi licença sabática por vinte dias e abandonei o blog ao deus dará. Estava cansado dos chamados fatos políticos, dos debates inúteis, das opiniões oportunistas, das rasteiras que alguns imaginam a essência da política e da vida social.
Por exemplo: Eduardo Cunha, com serena cara-de-pau, repetindo que não tem conta no exterior. Seria um simples vendedor de carne moída e mero beneficiário das contas bancárias citadas.
Ouvimos esse deboche dezenas de vezes diante da impotência do legislativo, do judiciário e dos reclamos populares – não se sabe como defenestrar essa figura grotesca do cenário político.
Agora, quando me obrigo a escrever, lá continua o Cunha manobrando truques regimentais, atendendo conveniências de aliados e de adversários, como é o caso do PT, de Dilma e de Lula, que não querem mexer com o indivíduo. Sabem que um pode levar o outro pro buraco.
E haja polêmica jurídica e manobras legislativas.
Tudo isso parece epidêmico. O Brasil está contaminado pelos debates inúteis, entre eles o que contaminou a crônica esportiva: o Corinthians já seria campeão? Comentaristas faziam cálculos matemáticos primários para concluir sempre que: (a) não era matematicamente campeão e (b) em futebol tudo é possível.
É de doer. Eu, que não torço pelo Corinthians, sabia que o time já era campeão há várias rodadas, por ter sido o melhor time, por ter acumulado pontos de sobra e por manter uma constância que nenhum outro time conseguiu. Mas os inventores de falsas polêmicas seguem em frente.
Ontem, quinta-feira 19, ao menos isso findou: é campeão, fim.
Mas o Brasil é craque em discutir o óbvio e o inútil.  É óbvio que Cunha tem conta no exterior bem como são óbvias outras acusações que pesam sobre ele e sobre outras figuras da república – mas tudo continua no mesmo lugar.
E no mesmo lugar continua a seleção brasileira. Joga um futebol medíocre, ralo, de segunda divisão. No entanto, dispomos de jogadores de talento, pois fazem parte dos melhores times do futebol europeu. Mas o time não anda.
Eu desconfio do óbvio. Olho para o Dunga – um medíocre aplicador de carrinhos quando jogador – e sinto que seu rosto esconde o óbvio: trata-se de um homem sem brilho, sem traço de imaginação, criatividade zero. Que tal experimentar Tite como técnico, que tem mostrado, nos últimos anos, um trabalho admirável?
Não. Enquanto o desastre não se consumar – e desde que o Brasil se classifique apesar de robusta mediocridade – Dunga será mantido.
Falando em desastre, só agora, com a catástrofe ambiental ocorrida em Mariana, vozes se levantam para falar da ausência de vigilância e controle sobre as barragens. E todos saem da reta, entre eles a poderosa Vale do Rio Doce. Destroçou a vida de centenas de pessoas, uma cidade, um rio e agora fala em desastre natural, oferecendo alguns trocados para compensar a barbaridade causada.
Quando o Brasil vai se antecipar às tragédias ambientais, políticas ou futebolísticas? Quando irá agir antes dos desastres? Será preciso novo 7 a 1?
Dia desses, 30 de outubro, ocorreu um incêndio na casa noturna Colectiv, na capital romena, Bucareste. Pelo menos 32 mortos e mais de 80 feridos. É um caso que replica a tragédia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 2013, quando ocorreram 242 mortos.
Mas na Romênia não foram necessários processos e chicanas. Tendo a população ido às ruas protestar, o primeiro ministro do país, Victor Ponta, decidiu entregar o cargo, assumindo o que chamou de “culpa moral” pelo acontecido.
Quando veremos atitude equivalente aqui no Bananão, como Ivan Lessa chamava nosso triste país? Jamais. Aqui levamos de 7 a 1, barragens causam desastres ambientais, políticos e administradores são omissos e incompetentes, o país chega à beira do caos econômico e político e ninguém é responsável. Mais de dois anos depois do incêndio da boate Kiss não se prendeu um vereador, um diretor de obras, nada. Ninguém é responsável por nada, nem pela catástrofe causada pela Vale. Dilma sobrevoou Mariana e deu adeus. Quando explodiu o Mensalão, Lula disse que não sabia de nada e ficou por isso mesmo.
Tudo na mesma. Com um agravante: como não nos antecipamos às tragédias, não se sabe de nenhuma providência efetiva que tenha sido colocada em prática para tornar as casas de shows seguras. Fica-se à espera de um novo desastre, que será chorado como fatalidade.
Ninguém é punido nem se demite. Ninguém sente a mínima “culpa moral”. A velha república da complacência: ninguém sabe de nada. O Cunha não é dono da conta, é beneficiário. Foi um acidente natural, a Vale não tem culpa. Quando alguém será julgado em Santa Maria? Quando será julgado o ex-deputado Carli Filho que, bêbado, decepou a vida de dois jovens? Lá se foram seis anos e o beberrão sequer foi julgado.
Disso resulta o vazio no qual estamos. Dilma não governa. Terceirizou. Levy tenta uma reforma fiscal que não deslancha e contra a qual agem o governo e aliados. Lula age como se fosse presidente e, suarento como sempre, mete o nariz em tudo. Por falta de nariz, os tucanos protegem o próprio bico. O PMDB conspira contra aliados e Temer posa de presidenciável disponível – resta saber se ele lembra um vampiro ou um mordomo.
Falar nisso, cadê redução severa de ministérios? Cadê o anúncio de que “cortariam na própria carne”? Cadê a pátria educadora? Cadê hospitais decentes? Cadê estradas seguras? Cadê um mínimo de brilho intelectual no rosto do técnico da seleção e de tantos notáveis da república? Cadê um projeto para o país? Cadê a culpa moral?
Cadê?
Quer saber de uma coisa? Eu deveria ter continuado em férias sabáticas.