segunda-feira, 13 de junho de 2016

Vender livros na Avenida Paulista é crime?




Maurício Eloy na rua, no meio do redemoinho



Em São Paulo acontece de tudo, inclusive o impensável. Especialmente na Avenida Paulista, a sua melhor tradução.
Acontece que o livreiro, professor Maurício Eloy, proprietário de um sebo, está sendo enxotado por policiais pelo fato de colocar seus livros a venda na Av. Paulista, onde se realiza uma feira de artesanato. Os policiais cumprem ordens da Prefeitura da cidade. O argumento das “otoridades” é de uma óbvia estultice. Dizem elas que, não sendo os livros obra de artesanato, não podem ser vendidos naquele local.
Ocorre que venda de livros em espaço públicos, ruas e praças, é prática universal, encontrada em todas as cidades do mundo onde exista praça ou rua. E é uma atividade bem vinda, tanto por divulgar livros e cultura como por proporcionar a livreiros donos de sebo a oportunidade de sobreviver de seu trabalho.
Ademais, além do valor cultural e comercial da venda de livros, acredito que a simples presença de livros em espaços públicos tenha um valor cultural em si. Desperta curiosidade, pesca possíveis leitores, junta gente para bater papo. E livro é também um objeto que dá prazer olhar, tocar, cheirar.
Seria bom que os burocratas da Prefeitura de São Paulo abrissem mão de seu rigor legislativo e deixassem não apenas que o professor Maurício, mas também que outros vendedores de livros pudessem ter um trecho de calçada ou um canto de praça onde vender seus livros.
Juro às autoridades do município que livro não faz mal à saúde nem cria dependência química. Nem mesmo prejudica a visão. Seu consumo, na pior das hipóteses, cria um vício muito saudável: gostar de ler, gostar de escrever, pensar.
Como se vê, não tem contraindicação.

PS: há um abaixo assinado correndo pela Internet a favor da venda de livros na Paulista. Assine.



sábado, 4 de junho de 2016

Sem Muhammad Ali o mundo empobrece.







Muhammad Ali faz parte de uma lista de sujeitos – e declaro que não são muitos - pelos quais tenho grande e confessada admiração. Assistir suas lutas – na época a televisão as transmitia para o mundo todo – era um espetáculo não só de boxe, mas de espírito de luta, de dignidade, de irreverência, de autoafirmação contra racistas, de coerência e de beleza atlética. E de humor.
Ali era um colosso como figura humana, seja do ponto de vista físico seja do ponto de vista humano. Um personagem raro. A meu ver foi o último a incorporar o ideal clássico do boxe: lutar de pé, usando apenas as mãos, respeitando áreas do corpo que possam ser fatais ou muito, digamos, doloridas. A nobre arte, dizia-se.
Mas ele era mais do que isso. Era debochado, gozador, irreverente, autoconfiante. Não tinha papas na língua. Provocava os adversários e, sendo um exímio tagarela, ganhava todas as discussões. Chamou Sonny Liston, o campeão do momento, de “urso velho, grande e feio”.  E não cometia a hipocrisia de dizer-se modesto. Era, já naquele momento, contra essa tolice chamada de politicamente correto: se considerava simplesmente o homem mais forte, o melhor lutador e o homem mais bonito do planeta. E dizia isso fazendo caretas malandras e dando gargalhadas. E o diabo é que era mesmo o mais bonito, o mais forte e o melhor boxeador do planeta.
The best, ponto final. Sobretudo porque, nos EUA do século XX e diante dos preconceitos que o rodeavam, ele personificava uma luta permanente contra o racismo. E lutar contra racistas naquele momento era arriscar a própria vida. Uma tarefa para gigantes. Além disso, contra o instinto belicista dos EUA, recusou-se a ir para o Vietnam matar seres humanos que não julgava inimigos, um povo que nunca tinha feito nada contra ele. Ou, como declarou: “eles nunca me chamaram de crioulo”. Então, por que ir para a guerra para matá-los? Recusou-se e pagou um preço altíssimo. Perdeu títulos, dinheiro, quase tudo.
Mas manteve algo que não tem preço. O senso da própria dignidade. Como um homem negro e como um ser humano livre e independente. Não se rendeu. Continuou a lutar e recuperou seus títulos. E protagonizou aquela que foi a maior luta de todos os tempos: ele contra George Foreman, que deu agora mostras de ser também um grande caráter, ao dizer que com a morte de Ali, que o venceu na célebre luta no Zaire, morria a melhor parte dele mesmo.
Ali é um signo de saúde mental e pública diante desse mundinho atual de pequenos chefetes políticos, de demagogos vendidos, de empresários oportunistas, de arrivistas gananciosos, de gente que cala e consente, de covardes que negam à tarde o que disseram pela manhã, gente que todo mundo sabe que são ladrões e corruptos, mas que se declaram santos na cara limpa. Esse mundinho não teria vez com ele.
Era um dos grandes. Um homem forte e digno. Um corpo perfeito e uma mente lúcida. Uma metralhadora nos punhos e na ponta da língua. Um homem que assumia integralmente o que pensava. Que se arriscava pelas causas nas quais acreditava. Um bailarino elegante em cima do ringue que era também elegante na vida. Um irreverente. Um tipo que não se dobrava. Ao contrário, que dobrava a todos que se metiam no seu caminho. E, se caia, levantava-se.
Enfim, fará falta, mas viverá na memória de muitos que tentarão evitar que ele tenha sido representante de uma espécie em extinção.