segunda-feira, 29 de agosto de 2016

As armadilhas da ironia





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 O Brasil não é dado a filigranas em humor, ao contrário do mito que fantasia um país de humor inteligente e à flor da pele.
Hoje, jovens escritores e intelectuais são sisudos e por isso se imaginam profundos. A ausência de humor parece dar uma dimensão abissal a seus escritos. Já o humor na televisão é um show de horrores. Há confusão entre grosserias, escatologias, constrangimentos e humor.
Pois o humor, como ensinou o filósofo francês Henri Bergson, implica na suspensão temporária da emoção, que deve dar lugar à inteligência. Mesmo as trapalhadas mais simples – um chute que Carlitos desfere nos fundilhos de alguém – exige que a emoção saia de cena. Se me emociono, não sou capaz de rir, penalizado com os fundilhos chutados – logo os fundilhos, essa parte da anatomia humana que guarda toda a dignidade da espécie.
Com isso perdemos a ironia. Levamos tudo ao pé da letra. O politicamente correto, aliás, se beneficia com essa tolice. O politicamente correto, aliás, é uma tolice.
Um caso emblemático vitimou Agripino Grieco, crítico literário impiedoso. Aliás, triste ironia é que Agripino está hoje apagado da memória nacional, sendo que as nulidades que ele combatia continuam presentes. Podia ser justo ou injusto, mas era sempre sagaz e contundente. Provocador, dizia que Guimarães Rosa escrevia em húngaro. Devo dizer que não concordo com a tirada de Agripino, mas convenhamos que é hilariante.
Pois certa ocasião Agripino, atuante na crítica em jornais, recebeu, enviado pelo marido da autora, um livro de poemas. Os poemas eram péssimos. Versos derramados e frouxos. Coisa de quem não lera nada de importante ou não entendera coisa alguma.
Agripino, de molecagem, escreveu sobre esses poemas capengas coisas do tipo: trata-se de uma obra rara; desde Camões não se publicou nada igual; achados que não encontramos em Dante ou Shakespeare. Cumulou o livro com supostos elogios e com isso se divertiu muito.
Foi quando se deu o caso. Não demorou e o tal livro aparecia em segunda edição, lançada pelo marido, que funcionava como editor. E lá estava, a título de prefácio, o texto de Agripino, salpicado de Shakespeare, de Dante e de Camões. A ironia não foi percebida e o texto foi tomado ao pé da letra.
Eis o perigo da ironia no Brasil. Na Inglaterra, onde se preza o intelecto acima das emoções fáceis, jamais aconteceria.
Há algum tempo, alguém sugeriu a criação de um sinal gráfico para indicar ironia. Existindo ponto de exclamação e de interrogação, poderia existir um para a ironia. Espécie de advertência: trata-se de ironia, sorria e faça pose de inteligente, não leve ao pé da letra. Tal sinal gráfico não passa de uma bobagem e seria um atestado de nossa dificuldade em lidar com coisas escritas.
Conhecido desenhista, habilidoso e oportunista, propôs um ponto de exclamação com um pingo em cima e outro embaixo, mostrando como nos enredamos com questões constrangedoras, entre elas o hífen, a crase e o voto obrigatório. Desacertos nacionais que estão a merecer de um autor inglês um texto fartamente irônico.
Por sorte, o ponto de ironia foi esquecido. O voto obrigatório, não.



quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Futebol e a Teologia da Grana e do Marqueting




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Confesso que ando preocupado com o Todo-Poderoso. Afinal, estará condenado a desaparecer ou se tornará cada vez mais presente?
Como se sabe, Nietzsche decretou no final do século XIX, numa tirada fulminante: “Deus está morto. Assinado, Nietzsche”. O fato é que anos depois o próprio Nietzsche faleceu e alguém escreveu: “Nietzsche está morto, assinado Deus”.
Questão controversa, portanto. Mas, a julgar pelos adeptos que ambos – Deus e Nietzsche – deixaram, talvez a divindade esteja ganhando a parada, já que aumenta o número de igrejas, justo dessas que fazem de Deus uma espécie universal de CEO – Chief Executive Officer em inglês – seria o nosso Diretor Executivo, um administrador de contas bancárias, salários, dividendos, além de curador de todos os males físicos e psíquicos. Todos falam Dele como de alguém que vigia os humanos, distribuindo graças e benesses, bastando para tal que o fiel preencha um boleto e faça o depósito bancário devido.
Mas, se não bastassem as multidões de fiéis que exigem graças imediatas a Deus e que fazem filas para anunciar que foram atendidas – a dor de cabeça passou, o cunhado arranjou emprego, a úlcera sumiu etc. – entre os jogadores de futebol há uma concentração imensa de novos crentes.
Deus passa a ser, então, um supervisor de futebol, um técnico e, mais ainda, alguém que determina quem ganha e quem perde. O goleiro da seleção – Weverton – deu declarações emocionadas pela bela defesa de pênalti que fez no jogo final das Olimpíadas. Mas ele mesmo atribuiu seu sucesso não aos treinos, nem a seu treinador de goleiros ou à sua experiência e talento de jogador. Quem fez com que defendesse o gol foi Deus, que o consagrou.
Eu fico pensando: que estranha ideia de Deus. Estará Ele vigilante para entrar em campo e, súbito – embora seja deus de todos os seres humanos – projetar o goleiro na direção da bola e fazer com que defenda um gol? Deus será a favor do Brasil? Será então contra a Alemanha? Mas onde estava Deus quando levamos aquele humilhante sete a um? E quem disse que Deus está do lado dos vitoriosos? Sei não. Ele não salvou seu filho da morte na cruz. Paulo, o apóstolo, foi decapitado e, Pedro, crucificado de cabeça para baixo. Milhões de cristãos sofreram em catacumbas para defender suas crenças e foram mortos, perseguidos, jogados aos leões nas arenas de Roma.
Então, essa ideia de um Deus executivo de alto nível me parece ridícula. Prefiro o Deus de São Francisco, por exemplo.
E tem mais. Neymar, esse narciso dos gramados, apareceu no estádio onde se disputava a final do vôlei com uma faixa na testa na qual se lia: “100% Jesus”.
Mas que ninguém se iluda. Embora Jesus tenha pregado o amor, a paz, a compreensão, a humildade, o perdão, o Neymar, entre outras boçalidades, avançou na direção de torcedores e, dizendo-se injustiçado pelas críticas, ameaçou distribuir bofetões em desafetos.
É verdade que estava rodeado por uma dúzia de seguranças, não exatamente por Jesus, e é duvidoso que tivesse tanta coragem caso os seguranças não estivessem ali.
É indiscutível que Neymar tem um grande talento com a bola, mas não passa de um menino imaturo, mimado em excesso, um tipo de cabeça e coração vazios. Usa o nome de Jesus, mas de fato tem um comportamento de publicano. Imagina que Jesus é um administrador de suas contas bancárias e de seus passes.
Por isso, não suporta críticas. Aliás, é de se perguntar: criticar é proibido? É óbvio que a seleção jogou extremamente mal nos primeiros jogos.
Eis aí um caso complicado. Não sei o que Nietzsche pensaria disso. Talvez fosse a uma igreja e dissesse a Deus: o Senhor, embora ainda esteja vivo, está muito mal acompanhado. Ou talvez não desse importância alguma aos que usam o nome de Deus não apenas em vão, mas em seu próprio benefício, seja financeiro, profissional ou de marqueting.
Eu, que nem sei se creio em Deus – embora espere que Ele acredite em mim – penso que o Todo Poderoso deve andar tiririca com esses tipos. Se um dia os encontrar nos espaços celestiais, acho que vão sobrar puxões de orelha pra todo lado.




segunda-feira, 8 de agosto de 2016

O narcisismo no futebol brasileiro








Os entendidos em futebol – não é o meu caso – dizem que vivemos uma entressafra de talentos. Os jogadores disponíveis são poucos e medianos, o que não permite formar uma seleção sequer razoável.
Não concordo. E, como não entendo de futebol, dou meu palpite.
Jogadores brasileiros jogam nos cinco continentes, são contratados a peso de ouro e ganham muito mais do que o comum dos mortais. E onde jogam são as estrelas, seja na Turquia ou na França. Será que os milionários donos dos times europeus gastariam seus trocados com jogadores medíocres?
Não acho que falte talento. Se não temos – e isso é preciso admitir – safras de gênios da bola como em outros tempos, temos alguns talentos acima da média. Não temos um Zico, mas temos Neymar. O que falta, então?
De técnicos vamos mal, sobretudo nas seleções recentes. Indicar Dunga para técnico da seleção foi uma temeridade. Felipão ganhou uma copa, mas com Ronaldo de centro avante, nem sei se precisava de técnico. Qual o verdadeiro Felipão: aquele da copa que o Ronaldo ganhou ou o perdedor de 7 a 1?
No momento, nos agarramos ao Tite, o milagroso, técnico de respeito.
Minha opinião é a seguinte. Futebol é jogo coletivo. Não sem motivo se chamava originalmente Football Association. O talento individual é tão grande quanto capaz de jogar pelo conjunto. Nas peladas – e dessas eu entendi – quando surge um jogador que não joga para o coletivo, ele recebe a pecha maldita de fominha. Um fominha pensa que ganhará sozinho, que não precisa de ninguém, que é o centro do jogo. Nas peladas, ou o fominha se reforma ou cai fora.
Na seleção não se vê jogo coletivo. Vemos um bando desesperado indo de um lado para outro. Mesmo uma seleção fraca como a do Iran, quando defendia ou partia para o ataque, era movida por uma estratégia coletiva. Os jogadores sabiam para onde ir, com quem trocar passes e como.
Já os jogadores brasileiros parece que se conheceram na véspera do jogo. Não sabem onde cada um deve se colocar e o que fazer e como. Irritam-se com facilidade; são bibelôs. Meninos mimados. Caem a qualquer encontrão. Ficam dodói. Reclamam do juiz bestamente, sem razão e fora de qualquer disciplina de jogo.
E tratam dos cabelos. O Gabi Gol tem a cabeça construída como verdadeira obra de arquitetura capilar. Barba, sobrancelhas, cabelo – tudo projetado e produzido com recursos arquitetônicos. Neymar, que parece ter começado a moda atual, muda de penteado a cada jogo. Ninguém se despenteia, aliás.
Ora, o narcisismo é avesso a ações coletivas. É ególatra por natureza. Basta observar como os narcisos ficam nervosinhos com facilidade. Grandes jogadores não ficam irritados, respondem na bola. Não caem em provocações. Pelé, que era disciplinado em campo, lutava feito pantera e raramente reclamava. Respondia às botinadas com um sorriso e um chapéu.
Por isso, a partir de agora só vou assistir jogos da seleção feminina de futebol. Elas jogam em conjunto. Disputam a bola como quem luta por um prato de comida. Se uma tem a bola, duas ou três se colocam em posição de receber o passe. O time avança ou recua em conjunto, conforme o momento do jogo. E, havendo chance, metem bala. Entram em campo para ganhar ou ganhar. São determinadas. Podem perder – e isso faz parte do jogo – mas não deixam de jogar.
São mulheres, algumas muito bonitas, e são vaidosas. Mas se limitam a prender o cabelo e usam maquiagem simples. E não temem jogadoras maiores e mais fortes. E se permitem fazer gol de letra, dar balão em zagueiros, ficar calmas mesmo diante de arbitragens incompetentes. O negócio delas é a bola.
Pelo empenho com que jogam, percebemos que não são narcisistas. Sabem que têm um objetivo comum e agem em função disso.
O importante, portanto, não é querer a medalha de ouro. O essencial é querer jogar o jogo, é entregar-se a ele como conjunto. Eis a graça do chamado esporte bretão.
Como seria demasiado extenso, não desenvolvo a questão do narcisismo em outros setores da vida brasileira, mas creio que os leitores saberão fazer isso com facilidade.