quarta-feira, 31 de maio de 2017

O que fazer num domingo qualquer? Ou: Ozzy Osbourne



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Temos hoje um domingo cheio de nuvens volumosas que se movem por cima do prédio. Nuvens domingueiras, não aquelas que se exibem nas segundas-feiras, sempre agitadas e nervosas. As nuvens de segunda se espicham ansiosas e avançam velozes. Já as nuvens de domingo são lerdas. Rolam por cima de um azul esperançoso, feito de preguiça.
Fico em dúvida, pois mesmo um tipo desinteressado de aventuras mundo afora encontra problemas quando decide perambular por aí. Eis meu dilema no momento: vou caminhar ou pedalar? Caminhar sempre é bom e pedalar idem. Mas domingo é um dia que reservo para pedalar, havendo menos automóveis pelas ruas.
Mas essa não é minha única dúvida: me perturbam duas outras questões. Continuo a ler ou volto para a cama e durmo mais um pouco?
Eis aí. A vida é complicada e cheia de alternativas conflitantes. Em poucas linhas já encontrei quatro caminhos possíveis e nenhuma solução. Sem contar outras coisas que poderia fazer nesse domingo preguiçoso com suas nuvens que agora oscilam entre o cinza e o branco brilhante e rolam na direção leste como se bocejassem.
Já houve tempo em que eu me colocava problemas em torno dos rumos da humanidade, da economia, do pensamento ocidental e do time do Atlético Paranaense. Hoje, sou mais modesto. O mundo que me importa é menor, já que o maior não parece ter conserto mesmo. A cantora inesquecível, Maysa, cantava que seu mundo caiu. O meu encolheu. Ou não?
Vou até a varanda e dou uma namorada no tempo. Não faz frio e o vento não é dos mais chatos – é fraco e até gentil. Bom para pedalada. Eis que começo a me decidir.
É quando ouço um latido. Sei de quem se trata.
É Ozzy. Ou, com nome e sobrenome, Ozzy Osbourne, um nervoso e agitado cãozinho que se dependura furioso na grade do quarto andar ao me descobrir na varanda. Não gosta de minhas aparições. Também, homônimo de um astro do rock, se irrita fácil.
Foi batizado pelos meus amigos Vanessa, Maurício e a filha Letícia. Deram esse nome ao cãozinho, eles que são roqueiros, imaginando que ficariam impunes. Não. Um nome carrega uma energia própria, dizem as cartomantes, as quiromantes e, não raro, as amantes.
Assim batizado, Ozzy saiu-se nervoso e irritadiço, centralizador e ego maníaco. E simpaticíssimo, é claro. Verdadeira estrela de banda de rock. Ele segue latindo e eu, que não sei latir, devolvo a ele um cumprimento:
- Alô, Ozzy, bom domingo!
Ele rosna feito cachorro grande. Saio da varanda e ele fica em silêncio. Deve estar espiando para ver onde me enfiei. É quando imagino que posso dar um susto nele e volto súbito à varanda. Perdi. Ozzy desinteressou-se de mim e se foi.
Fecho a porta da varanda e torno a pensar nas minhas quatro alternativas: voltar a dormir, continuar a leitura, caminhar, pedalar.
O sol vence as nuvens aos poucos e decido pela bicicleta. Quando saio pedalando da garagem e atravesso a rua, Ozzy, de volta a seu posto, dispara a latir. Pelo tom, não gostou da opção pela bicicleta.

Na volta explico a ele, penso eu, e vou em frente. Não se pode agradar a todo mundo. Muito menos a um astro do rock.




terça-feira, 9 de maio de 2017

Cultivando o meu jardim




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Entre as minhas ignorâncias – que são vastas e robustas – não saber nomes de plantas, pássaros e árvores me chateia muito. Com esforço – e erros crassos – consigo reconhecer apenas rosas, jasmins, margaridas. Tempos atrás, morando numa casa com um jardim que era quase um pomar, me visitou um amigo que foi nomeando minhas plantas feito um Adão primaveril batizando as coisas do mundo. Desconfiei. Conhecedor de minha ignorância no assunto, quem sabe estivesse inventando aqueles nomes.
Seja como for, a verdade é que cuidava muito bem do meu jardim. Aprendi tarde, mas os resultados foram bons. Além disso, virei o sujeito que tem “mão boa”. O que planto, nasce. Cresce e floresce bonito. É o que me basta.
Este gosto pelo jardim resultou de uma esquisitice que adquiri há uns anos: passei a acordar cedo. Ao longo de minha vida de professor, sempre acordei tarde, depois das dez da manhã, quando já estava dando a terceira aula do dia. Os alunos imaginavam que meu ar desligado fosse resultado de profunda concentração na matéria lecionada. Não era. Tratava-se de uma forma de dormir em pé que desenvolvi para sobreviver na profissão.
Anos depois disparei a acordar antes das seis. De início, ficava lendo, ouvindo rádio – duas maravilhas da vida, livros e rádios – mas com o tempo comecei a ser expulso da cama por uma necessidade de andar de um lado para outro. Como andar não é coisa fácil de ser feita dentro de casa, descobri que havia o jardim. Lá era possível andar sem incomodar aos que dormem e sem parecer mais esquisito do que já sou.
Foi assim que comecei a me ocupar do jardim, fazendo coisas que não seriam recomendadas por especialistas – embora eu raramente ouça a especialistas.
Agia assim. Conferia o crescimento de plantas e árvores, observando flores e frutos nascentes e as chamadas ervas daninhas. Gastava nisto um bom tempo e, embora não saiba nomes de plantas, conhecia cada uma do jardim. Pessoalmente, quero dizer.
Em seguida, fazia limpezas. Retirava as ervas daninhas, arrancava folhas e galhos secos, podava o que parecia estar sobrando. Não seguia regra alguma, o que deixa horrorizados quem entende do assunto. Dizem que há uma estação certa para podar, um modo de se fazer o corte segundo a lua, a estação, o tipo de planta etc. Levo em conta apenas o lado estético. Se um galho está brotando numa direção que não me parece razoável, podo. Funciona.
Descobri que a poda não pode ser piedosa. Não raro, tenho pena de podar certos galhos, mas podo mesmo assim. É como escrever. É preciso alguma crueldade nisso, mas se trata de crueldade boa e generosa. A planta se renova.
O pé de goiaba e o abacateiro já renderam fartas distribuições a amigos. O limoeiro por várias vezes me deixou orgulhoso e despertou a desconfiança de um amigo, o escritor Manoel Carlos Karam, o craque dos textos absurdos. Levei a ele uma sacola de limões e ele me acusou de tê-los passado no Photoshop, de tão bonitos. Impossível melhor elogio.