quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Ode à Censura - Walmir Ayala






Walmir Ayala(*)



Ode à Censura



Censuremos a pornografia da fome,
do desemprego,
da indústria da educação.
da propaganda mentirosa.

A pornografia da violência policial,
da tortura,
Das máscaras pré-eleitorais,
dos aumentos do leite e do pão.

A pornografia da irrealidade dos salários do Povo
e da irrealidade dos salários dos que decidem o mesquinho salário do povo.

A pornografia da falta de solidariedade,
da demagogia com pés de lã,
da corrupção oficializada,
do pseudo moralismo despistador.

A pornografia dos linchamentos,
da lentidão da justiça, 
do olhovesgo da justiça,
do pedestal vazio da própria justiça.

A pornografia da justiça  que se quer feita pelas próprias mãos,
A pornografia do medo, da insegurança,
das comissões que justificam o crime,
do variado preço da "cerveja"
com que se amansa o gato da fiscalização.

A pornografia do símbolo do leão
como carrasco dos que se equilibram perigosamente
na rede milionária dos impostos.

A pornografia da fábrica de mortos,
ou das mortes cinicamente adiadas
nos institutos de previdência social.

A pornografia das ricas reservas de ouro,
minério e petróleo, 
caracterizando um país rico infestado de miséria.

Censuremos todas estas pornografias que nos aviltam
não a ingênua pornografia que pelos olhos ou pela imaginação
monta sua máquina monótona
no espaço suplérfluo do nosso sonho.



(*) Walmir Ayala nasceu em Porto Alegre no dia quatro de janeiro de 1933. Faleceu no Rio de Janeiro, onde passou a maior parte de sua vida, em 28 de agosto de 1991. Espírito inquieto e criativo, atuou em várias áreas. Foi poeta, romancista, memorialista, teatrólogo, crítico de arte. Deixou uma obra profunda e extensa, que vem sendo reeditada com alguma frequência.

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Pequena aula de redação - abaixo a tortura




Resultado de imagem para aluno sofrendo



Frequentávamos o chamado curso científico. Havia no currículo muita matemática, química e física. As aulas de física eram puxadas, mas um professor nos surpreendeu ao aplicar a primeira prova mensal. Antes de distribuir as questões, foi ao quadro-negro (era negro, na época) e lá escreveu todas as fórmulas sobre cálculo de volumes, velocidade, peso, aceleração que havíamos estudado.
Feito isso, distribuiu as questões da prova e explicou que no quadro estavam fórmulas que poderíamos aplicar na solução dos problemas. Nada de decoreba.
- A memória foi feita para guardar coisas agradáveis, decretou. O importante é raciocinar.
Lembro-me desse professor sempre que penso nas provas de redação.
O tema é segredo total. O aluno só irá conhecê-lo na hora da prova. Ora, sabemos que os escritores jamais escrevem sobre assuntos que não dominam e pelos quais não têm interesse. Vejamos o caso de um jornalista. Deve conhecer o assunto, precisa ler, pesquisar, entrevistar, juntar informações. Caso contrário, sua técnica de redator não funciona.
Em segundo lugar, me horroriza a solidão absurda em que está o aluno. Ele, uma caneta, uma folha de papel. Ora, escritores não escrevem assim.
Cito o meu caso por ser o caso de todos. Escrevo usando um notebook. Sobre coisas que me interessam e sobre as quais pesquisei em livros ou documentos. E conto com a presença de dicionários e livros de consulta. E posso acionar a internet para consultar enciclopédias, verificar datas, ortografia de nomes, nomes de lugares.
É com todos esses recursos que escritores e jornalistas escrevem. É também com o apoio dessas armas que professores e acadêmicos redigem teses e preparam aulas.
Já o aluno está abandonado à própria sorte. Suando frio. Só pode recorrer à sua flagelada memória.
E tem mais. Essas provas de redação se apegam, por mais que digam o contrário, a duas coisas secundárias: ortografia e regras gramaticais. Como se isso fosse o mais importante no domínio da escrita.
Hoje todos nós temos no micro um corretor à disposição. Alerta para equívocos, sugere alternativas. Todos usam isso, escritores, jornalistas, professores – menos os pobres alunos.
E tem mais. Muitas vezes, diante de uma dúvida – digamos, uma crase impertinente – recorro a antigos colegas de faculdade. Além disso, antes de ser publicado, um texto é submetido ao crivo severo de um revisor. Revisores já me salvaram de publicar barbaridades.
E o aluno? Está em total abandono. Deve escrever sobre algo que não escolheu e que talvez nem seja do seu interesse e sobre o que não teve tempo de pesquisar. Deve estar atento às armadilhas ortográficas e gramaticais. Além disso, ser capaz de algum brilho ou graça no texto.
Certo estava meu professor de física. Fórmulas devem estar disponíveis no quadro. No caso da redação, permitir o uso dicionários e obras de consulta.
Quem souber pensar, escreverá uma boa redação.