sábado, 27 de janeiro de 2018

Nicanor Parra, poeta e matemático, morre aos 103 anos.



Imagem relacionada


Dos irmãos de Nicanor – cientista, matemático e, segundo ele próprio, “anti-poeta” - certamente a mais conhecida seria Violeta Parra, que foi cantora, folclorista, pintora, escultora. Mas a família é enorme e talentosa. Roberto foi cantor, assim como Lalo. Hilda Parra, guitarrista e cantora. Lautauro, cantor, poeta e compositor. Oscar Parra Sandoval, conhecido como Tony Canarito, que se dizia o menos Parra dos Parra, guitarrista e palhaço, tendo abandonado a guitarra por um problema nas mãos.
Nicanor faleceu no dia 23 de janeiro, aos 103 anos. No início teve influência de Federico Garcia Lorca e Walt Whitman. Pós-graduado em física, nos EUA, Universidade Brown, foi professor da Universidade do Chile. Autor de obra extensa, se caracteriza, sendo um anti-poeta, por alguém que deseja desmontar as ilusões “literárias” que correm mundo. Dizia ter sido influenciado por Charles Chaplin, Franz Kafka e os surrealistas.
Transcrevo abaixo três poemas que mostram seu modo refinado, irônico e original de conceber a poesia.

O homem imaginário

O homem imaginário 

vive em uma mansão imaginária 
cercada por árvores imaginárias 
à margem de um rio imaginário

Das paredes que são imaginárias, 

velhos quadros imaginários 
remanescem rachaduras imaginárias irreparáveis 
que representam eventos imaginários 
que ocorreram em mundos imaginários 
em lugares e tempos imaginários

Toda tarde imaginária, ele 

subiu a escada imaginária 
e olha a varanda imaginária 
para olhar a paisagem imaginária 
que consiste em um vale imaginário 
cercado de colinas imaginárias.

As sombras imaginárias 

descem pelo caminho imaginário, 
cantando canções imaginárias 
até a morte do sol imaginário.

E nas noites da lua imaginária ele 

sonha com a mulher imaginária 
que lhe deu seu amor imaginário, esse mesmo prazer imaginário 
novamente sente a mesma dor e o coração do homem imaginário retorna para palpitar .


No creo en la vía pacífica


no creo en la vía violenta
me gustaría creer
en algo —pero no creo
creer es creer en Dios
lo único que yo hago
es encogerme de hombros
perdónenme la franqueza
no creo ni en la Vía Láctea.


Me retracto de todo lo dicho

Antes de despedirme
Tengo derecho a un último deseo:
Generoso lector
quema este libro
No representa lo que quise decir
A pesar de que fue escrito con sangre
No representa lo que quise decir.
Mi situación no puede ser más triste
Fui derrotado por mi propia sombra:
Las palabras se vengaron de mí.
Perdóname lector
Amistoso lector
Que no me pueda despedir de ti
Con un abrazo fiel:
Me despido de ti
con una triste sonrisa forzada.
Puede que yo no sea más que eso
pero oye mi última palabra:
Me retracto de todo lo dicho.
Con la mayor amargura del mundo
Me retracto de todo lo que he dicho.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Brasil, país de falsos dilemas







Agostinho, o notável santo e filósofo, sofria com dúvidas teológicas que desejava resolver racionalmente. Foi quando teve um sonho no qual um menino tentava colocar toda a água do mar num buraco que fizera na areia da praia. Ele explicou ao menino que aquilo seria impossível, ao que o menino respondeu que seria mais fácil realizar aquele feito do que Agostinho entender racionalmente os mistérios divinos.
Vinicius de Morais dizia num poema que não era Francisco nem de Assis – e eu acrescento que não sou Agostinho nem de Hipona. E confesso: me irritam os falsos debates brasileiros.
Discute-se, com ares de seriedade, se a maconha deve ser liberada para uso medicinal. Há quem alegue que viciaria ou seria inócua. Inócua não parece ser. E pergunto: quantas drogas legais viciam? Por outro lado, quantos remédios saem de plantas que são tóxicas? Quantos remédios e vacinas são extraídos do veneno de serpentes?
Então, por que diabos proibir remédios extraídos da maconha? Trata-se de um insano preconceito contra a pobre marijuana.
Mas uma. Discute-se há décadas se devemos ou não liberar jogos de azar. Fui ao site da Caixa e contei dez loterias em plena ação. São oficiais. E são de azar – azar de quem não ganhar.
Alegam alguns que o jogo, uma vez liberado, destruiria a família, a moral etc. – aliás, argumento usado durante décadas contra o divórcio. Ocorre que é direito de qualquer cidadão jogar na roleta tanto quanto na Lotomania. E o jogo legalizado – e controlado – produz resultados financeiros e cria empregos.
Mas preferimos discutir as mesmas inutilidades. Tudo por conta de dona Santinha, como era conhecida a pudica e carola esposa do general Eurico Gaspar Dutra, então presidente. Ela exigiu do marido, em 1946, a extinção dos jogos de azar e do Partido Comunista. E ele assinou em baixo.
Até hoje – setenta anos depois – perdemos tempo discutindo se o jogo deve ser liberado. É ridículo. Cassinos existem por todo o mundo. Santa Fé, Las Vegas, Nova Orleans. Mônaco, Amsterdã, Estoril. Somados, são mais de 260.
O mesmo falso dilema acontece com o voto obrigatório, que é uma contradição nos termos. Voto é um direito, jamais uma obrigação. Direito que cabe ao cidadão exercer ou não. Tenho direito de escolher uma religião, mas não posso ser obrigado a ter uma. Tenho direito de ir e vir, mas posso ficar parado. O mesmo vale para o voto, que deveria ser opcional. Vota quem quer, tal como ocorre nas grandes democracias do mundo. E uma coisa é certa: voto obrigatório só serve para produzir currais eleitorais. E corrupção. E eleger patifes. É o voto dos grotões.
E por aí vai. O Brasil é o país das polêmicas inúteis.

Por isso me lembro de Agostinho, o santo. Ele, um filósofo em sinuca de bico, ao menos se preocupava com coisas profundas e vitais – Deus, a morte, a ética, a religião, o sentido da vida – enquanto que os brasileiros se debatem com falsos problemas, motivo pelo qual são os maiores produtores de falsas soluções.