terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Brasil, país de falsos dilemas







Agostinho, o notável santo e filósofo, sofria com dúvidas teológicas que desejava resolver racionalmente. Foi quando teve um sonho no qual um menino tentava colocar toda a água do mar num buraco que fizera na areia da praia. Ele explicou ao menino que aquilo seria impossível, ao que o menino respondeu que seria mais fácil realizar aquele feito do que Agostinho entender racionalmente os mistérios divinos.
Vinicius de Morais dizia num poema que não era Francisco nem de Assis – e eu acrescento que não sou Agostinho nem de Hipona. E confesso: me irritam os falsos debates brasileiros.
Discute-se, com ares de seriedade, se a maconha deve ser liberada para uso medicinal. Há quem alegue que viciaria ou seria inócua. Inócua não parece ser. E pergunto: quantas drogas legais viciam? Por outro lado, quantos remédios saem de plantas que são tóxicas? Quantos remédios e vacinas são extraídos do veneno de serpentes?
Então, por que diabos proibir remédios extraídos da maconha? Trata-se de um insano preconceito contra a pobre marijuana.
Mas uma. Discute-se há décadas se devemos ou não liberar jogos de azar. Fui ao site da Caixa e contei dez loterias em plena ação. São oficiais. E são de azar – azar de quem não ganhar.
Alegam alguns que o jogo, uma vez liberado, destruiria a família, a moral etc. – aliás, argumento usado durante décadas contra o divórcio. Ocorre que é direito de qualquer cidadão jogar na roleta tanto quanto na Lotomania. E o jogo legalizado – e controlado – produz resultados financeiros e cria empregos.
Mas preferimos discutir as mesmas inutilidades. Tudo por conta de dona Santinha, como era conhecida a pudica e carola esposa do general Eurico Gaspar Dutra, então presidente. Ela exigiu do marido, em 1946, a extinção dos jogos de azar e do Partido Comunista. E ele assinou em baixo.
Até hoje – setenta anos depois – perdemos tempo discutindo se o jogo deve ser liberado. É ridículo. Cassinos existem por todo o mundo. Santa Fé, Las Vegas, Nova Orleans. Mônaco, Amsterdã, Estoril. Somados, são mais de 260.
O mesmo falso dilema acontece com o voto obrigatório, que é uma contradição nos termos. Voto é um direito, jamais uma obrigação. Direito que cabe ao cidadão exercer ou não. Tenho direito de escolher uma religião, mas não posso ser obrigado a ter uma. Tenho direito de ir e vir, mas posso ficar parado. O mesmo vale para o voto, que deveria ser opcional. Vota quem quer, tal como ocorre nas grandes democracias do mundo. E uma coisa é certa: voto obrigatório só serve para produzir currais eleitorais. E corrupção. E eleger patifes. É o voto dos grotões.
E por aí vai. O Brasil é o país das polêmicas inúteis.

Por isso me lembro de Agostinho, o santo. Ele, um filósofo em sinuca de bico, ao menos se preocupava com coisas profundas e vitais – Deus, a morte, a ética, a religião, o sentido da vida – enquanto que os brasileiros se debatem com falsos problemas, motivo pelo qual são os maiores produtores de falsas soluções.




Nenhum comentário:

Postar um comentário