Esse conto faz parte do livro A Dança do Ventre (Criar Edições, 2016, 156 p., R$ 25,00). Para adquirir o livro, acesse a página da Editora Insight- o livro será entregue em sua casa, pelo correio, sem custos de envio.
Verinha entrou em casa esbaforida e se jogou no sofá. Luciana, sua irmã, comia mingau diante da televisão.
- O que foi? perguntou Luciana,
a boca aberta, a colher parada no ar.
- Você não imagina o que me
aconteceu!
- É... não imagino. O que foi?
Verinha levantou-se, desligou
a televisão.
- É tão importante assim?
espantou-se Luciana.
- Importantíssimo! Estou
abismada.
Luciana colocou o prato na
mesa de centro, o mingau não combinava com a tragédia anunciada, e apontou a
colher para a irmã:
- Não me deixe nervosa. O que
foi?
Verinha retornou ao sofá,
pediu um cigarro.
- Você não fuma, observou
Luciana.
- É verdade.
Luciana colocou a colher no
prato de mingau e anunciou que ia perguntar pela última vez:
- O que aconteceu?
Verinha começou a falar aos
trancos. Luciana se lembrava do Aquiles? Lembrava. Aquele que é casado com a
Tânia, minha cliente. Sei, sei. Não existem muitos Aquiles no mundo, tentou
brincar Luciana. Verinha não achou graça.
- Pois ele esteve lá no
escritório.
Luciana esperou. Verinha fazia
olhos enormes e vazios.
- E daí, criatura? O que
houve?
Aquiles fora ao escritório
para tratar de uns documentos que faltavam num processo. Verinha abrira a porta
e lá estava ele.
- Ele é bonitão, não é?
perguntou Luciana.
Verinha levou um susto. Acusou
a irmã de brincar com coisa séria.
- Não chateia, Verinha. Ele é
bonitão mesmo.
- Bonitão e sem vergonha, isto
sim.
- Pode ser. Todo homem é sem
vergonha, sobretudo os bonitões.
- Pois você não imagina...
- Vai começar de novo?!
Verinha disparou a falar. Ela
abrira a porta e lá estava ele, na sala de espera, em frente à janela, fumando
um cigarro. Alto, magro, aquele cabelo mole caindo na testa, o sorriso de
sátiro. Parecia coisa ensaiada. Ele a olhou de alto a baixo. Demoradamente.
Tragou o cigarro e foi descendo o olhar, enquanto abria um sorriso deliciado.
Sentiu que ele percorria cada detalhe de seu corpo, os olhos, a boca, o pescoço
– ela tinha fama de ter um pescoço bonito – passou pelos seios, os quadris. E
eu com este vestido aqui, meio transparente, que raiva!
- E daí? perguntou Luciana.
- E daí?! Você não entende? Me
senti nua! Nua!
- É, o Aquiles é meio
cafajeste. Bonitão e cafajeste.
- É só isto que você tem a
dizer? Ele me deixou nua, tremendo, chocada. Nem sei como consegui entregar a
ele a lista de documentos. Quando ele saiu, tropecei no tapete.
- E ele te segurou.
- Como é que você sabe?
- Coisas do inconsciente.
Tropeçar é um ato falho...
Verinha enfureceu-se, gritou
que exigia respeito, e disparou na direção do quarto. Trancou a porta e não
atendeu quando Luciana pediu que abrisse. Não chateia, berrou. Ficou de pé
junto à cama, tremendo, sentindo que estava fora de controle. Lembrou-se de
respirar fundo. Conselho do professor de yoga. Fechou os olhos, concentrou-se
na respiração. Contou até dez, até vinte, e, ao abrir os olhos, viu-se no
espelho do guarda roupa.
Com gestos lentos, retirou os
sapatos, o brinco, soltou os cabelos. Fez o vestido descer pelo corpo, retirou
o sutiã e a calcinha. Examinou seu corpo no espelho e, com voz quase inaudível,
murmurou:
- Será que foi isto que ele
viu?
Lá estava ela no espelho.
Inteira. Nua.
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